86 Patrícia Fernanda Carmem KebachOs resultados confirmam a hipóte<strong>se</strong> inicial: a construçãodo conhecimento musical ocorre de forma homólogaaos níveis investigados pela Escola de Genebra para <strong>ou</strong>trosobjetos de conhecimento. Além da confirmação dessahipóte<strong>se</strong>, a novidade desta pesquisa está em utilizar ametodologia clínica e uma concepção interacionista sobrea produção do conhecimento musical.As Pesquisas na Área de Música e CogniçãoA epistemologia genética possui p<strong>ou</strong>cos estudos dedicadosà análi<strong>se</strong> da construção do conhecimento musical.Dentre eles, destacam-<strong>se</strong> as pesquisas francesasde Delalande (1982), S<strong>ou</strong>las (1990), Noi<strong>se</strong>tte (1997),Agosti-Gherban (2000) e as brasileiras de Beyer (1988,1994, 1995), Gobbi (1999), Lazzarin (1999), Bellochio(2000) e Maffioletti (2002). Apesar de possuírem umfoco teórico diferenciado, <strong>ou</strong>tros pesquisadores brasileiroscontribuem de forma importante para a área dode<strong>se</strong>nvolvimento musical por meio do estudo das mudançasparadigmáticas que vêm ocorrendo aos p<strong>ou</strong>cosno ensino de música (Koellreutter, 1997; Campos, 2000;Brito, 2001). Todos es<strong>se</strong>s pesquisadores têm em comumo reconhecimento da interdependência existente entreorganismo e meio nos processos de estruturação do pensamento.Muitos deles reconhecem a importância de <strong>se</strong>levar em conta as estruturas mentais que o sujeito possuino momento em que procura estruturar o objetomusical com o qual interage. Como diz Koellreutter (apudBrito, 2001) “é preciso aprender a apreender do aluno oque ensinar” (p. 31). Mas, de que modo <strong>se</strong> pode saber oque o sujeito conhece sobre a música para que <strong>se</strong> possaproporcionar a ele situações que o orientem e desafiema ampliar <strong>se</strong>u conhecimento musical? Nesta pesquisa,propõe-<strong>se</strong> que o método clínico é uma ferramenta indispensávelpara a ob<strong>se</strong>rvação de um certo estado de de<strong>se</strong>nvolvimentoe da estruturação do pensamento dossujeitos pesquisados em relação à música.A criação de provas musicais ba<strong>se</strong>adas no métodoclínico piagetiano para analisar o de<strong>se</strong>nvolvimentocognitivo referente à música, é raramente encontrada.Nes<strong>se</strong> <strong>se</strong>ntido, a formulação de provas clínicas parauma teoria geral sobre o de<strong>se</strong>nvolvimento musical ébastante importante, não só para a criação de umaepistemologia genética referente especificamente àmúsica, mas também para a construção de uma pedagogiarelacional, onde o conhecimento é construído pormeio da interação entre aluno e professor, entre sujeitoe objeto a <strong>se</strong>r aprendido.Procedimentos Metodológicos para a Criação,Aplicação e Ob<strong>se</strong>rvação da Prova Clínica<strong>Para</strong> a ob<strong>se</strong>rvação da construção da escala temperada,que é o objeto desta pesquisa, cri<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> uma provaclínica (Kebach, 2003) ba<strong>se</strong>ada nas experiências de<strong>se</strong>riação realizadas por Piaget e Szeminska (1972). Na<strong>se</strong>xperiências des<strong>se</strong>s autores, a metodologia concerne aométodo clínico, em que o experimentador ob<strong>se</strong>rva osaspectos do funcionamento e estruturação da mente dacriança no momento em que procura organizar os objetos(nes<strong>se</strong> caso, os sons) sobre os quais age, atribuindo aeles um <strong>se</strong>ntido por meio da <strong>sua</strong> ação e verbalização de<strong>se</strong>us atos. Assim, pode-<strong>se</strong> dizer que o método clínico <strong>se</strong>traduz pelo procedimento, inicialmente, de coleta de dados,por meio da proposição de determinadas tarefas eexecução destas pelas crianças, em que oexperimentador ob<strong>se</strong>rva as ações e conversa livrementecom a criança, a propósito da tarefa executada, para<strong>se</strong>guir <strong>se</strong>u pensamento e, posteriormente, analisa es<strong>se</strong>sdados, que devem <strong>se</strong>r registrados (por meio de gravadores,vídeos, anotações etc.), a partir de uma determinadateoria.Antes de realizar esta pesquisa, uma pesquisaexploratória foi realizada (Kebach, 2002), cujas provasforam ba<strong>se</strong>adas na entrevista clínica. Procur<strong>ou</strong>-<strong>se</strong>, comessa metodologia, resgatar o universo cognitivo musicalespontâneo das crianças, particularmente <strong>sua</strong>s formasde repre<strong>se</strong>ntação verbal. Tinha-<strong>se</strong> a hipóte<strong>se</strong> de que issonão <strong>se</strong>ria suficiente para compreender o pensamentoda criança sobre o objeto musical, pois não foi realizadaa ob<strong>se</strong>rvação do fazer. Com a entrevista, apenas foramob<strong>se</strong>rvadas as verbalizações das crianças e, apesar daexperiência ter sido dirigida com hipóte<strong>se</strong>s pré-determinadas,apareceram aspectos espontâneos nas respostas,como, por exemplo, parâmetros musicais que nãohaviam sido sugeridos, e que as crianças já possuíamesquemas conscientes <strong>ou</strong> inconscientes para mencionarnas entrevistas (intensidade e duração, por exemplo).Encontraram-<strong>se</strong> também as expressões que as criançasusam para diferenciar as alturas das notas (grosso/fino,alto/baixo). Essas constatações sobre o universoverbal das crianças obtidas na entrevista clínica foramindispensáveis no momento de aplicar as provassobre o parâmetro sonoro altura, que consiste na diferenciaçãode sons graves e agudos.<strong>Para</strong> realizar as experiências que <strong>se</strong>rão abordadasneste artigo, utiliz<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> o método clínico (a sínte<strong>se</strong> entrea ob<strong>se</strong>rvação clínica e a entrevista clínica) na criação e
A construção da <strong>se</strong>riação auditiva: Uma análi<strong>se</strong> através da metodologia clínica 87aplicação das provas, com o intuito de verificar não somenteos aspectos verbo-conceptuais dos sujeitos entrevistados,mas também <strong>sua</strong>s ações concretas sobre oobjeto a <strong>se</strong>r estruturado. Des<strong>se</strong> modo, foi possível verificar,então, os <strong>se</strong>guintes aspectos: as ações concreta<strong>se</strong> mentais dos sujeitos (ao compararem alturas de sonsdiferentes e ao construírem a <strong>se</strong>riação da escala musical)e a verbalização dessas ações.Especificamente no campo da música, as referênciasmetodológicas estão situadas na pesquisa de BarceloI Ginard (1988) sobre a <strong>se</strong>riação de notas da escalamusical, visando a verificação da capacidade de diferenciaçãodos sujeitos no que <strong>se</strong> refere ao parâmetroaltura. Segundo es<strong>se</strong> autor, o modo mais corriqueiro dascrianças construírem uma escala musical é através da<strong>se</strong>riação, em que comparam auditivamente o materialproposto. Nos níveis inferiores de de<strong>se</strong>nvolvimento, ascrianças <strong>se</strong>rvir-<strong>se</strong>-iam do jogo de tentativas à espera deum som global definitivo para formar uma escala musical,por meio da percepção sonora, modificando a colocaçãodas notas sucessivamente. Es<strong>se</strong> tipo de exploraçãoé chamado pelo autor de intuição sonora. No níveldas operações formais, a audição interior levariaaos intervalos, <strong>ou</strong> distâncias relativas do som, nas quaispreponderam as construções da escala. Por isso, dificilmente,alguém, que não tenha uma construção musicalbem sólida, con<strong>se</strong>guirá chegar a es<strong>se</strong> patamar. Portanto,o modo mais utilizado pelas crianças que Barcelo IGinard (1988) pesquis<strong>ou</strong> foi a comparação auditiva dossons, devido ao fato de que tais sujeitos pertenciam, na<strong>sua</strong> grande maioria, à faixa etária preponderante no níveloperatório concreto, <strong>ou</strong> <strong>se</strong>ja, de <strong>se</strong>is/<strong>se</strong>te a 11/12anos. Es<strong>se</strong>s sujeitos também freqüentavam escolas demúsica. Os 18 sujeitos desta pesquisa não freqüentaramaulas de música e, apesar de pertencerem a uma faixaetária <strong>se</strong>melhante (quatro a 12 anos), e de lhes <strong>se</strong>rsugerida a construção por meio da comparação dos sons,utilizaram, preponderantemente, a intuição sonora paraconstruírem a escala. Es<strong>se</strong> tipo de construção foi encaradocomo uma ação espontânea do sujeito. Como jáera de <strong>se</strong> esperar, nenhum sujeito construiu <strong>sua</strong> escalapor meio da audição interior.Antes de iniciar a prova da <strong>se</strong>riação, verific<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> acapacidade de diferenciação dos sujeitos referente aoparâmetro altura, propondo a eles a oposição entre notasgraves e agudas, primeiro através de intervalos tonaisgrandes, depois de intervalos de um tom. A variaçãoda altura corresponde à identificação das variaçõesde graves e agudos na música. Verific<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> que qua<strong>se</strong>todas as crianças possuem essa diferenciação no quediz respeito aos intervalos grandes, mas atrapalham-<strong>se</strong>na identificação do que <strong>se</strong>ria o som mais grave e o maisagudo, quando o intervalo tonal é próximo. De qualquermodo, aplicaram-<strong>se</strong> as provas, todas até o final, com os18 sujeitos pesquisados, com a intenção de avaliar a tomadade consciência <strong>ou</strong> a ausência durante a realizaçãodas provas (Piaget, 1974).Procur<strong>ou</strong>-<strong>se</strong> sistematizar as provas já aplicadas porBarcelo I Ginard (1988), de modo a <strong>se</strong>r fiel ao métodoclínico, com ba<strong>se</strong> nas provas de <strong>se</strong>riação explicitadasnos trabalhos práticos em epistemologia genética realizadosna Universidade de Genebra, no curso oferecidopor Magali Bovet (1999, 2000). Segundo essa pesquisadora,nas provas de <strong>se</strong>riação, a verbalização é reduzida,pois aqui o mais importante é anotar com muita precisãoas ações da criança durante <strong>sua</strong>s construções e in<strong>se</strong>rções:tentativas, comparações, correções, etc.Conceitos Utilizados para a Análi<strong>se</strong> dos DadosOs sujeitos retiram as propriedades dos objetos <strong>ou</strong>da coordenação de <strong>sua</strong>s ações sobre os objetos atravésde abstrações. Por meio de <strong>se</strong>us instrumentos de assimilação,o sujeito poderá <strong>ou</strong> não fazer relações, estabelecersignificados, etc. Assim, “O processo do conhecimentoestá restrito ao que o sujeito pode retirar, isto é,assimilar, dos ob<strong>se</strong>rváveis <strong>ou</strong> dos não-ob<strong>se</strong>rváveis, numdeterminado momento.” (Becker, 2001 p.47).<strong>Para</strong> <strong>se</strong> compreender os conceitos que foram utilizadosna análi<strong>se</strong> dos protocolos recolhidos, referentes àabstração empírica, abstração reflexionante,abstração p<strong>se</strong>udo-empírica e a abstração refletida,é importante, aqui, retomar tais conceitos. Piaget (1995)no <strong>se</strong>u livro “Abstração Reflexionante” em <strong>sua</strong>s conclusõesgerais, retoma, de forma sucinta, os quatro tiposde abstrações utilizadas pelos sujeitos para abstrair dosobjetos ações em <strong>sua</strong>s características materiais <strong>ou</strong> dascoordenações das ações deles mesmos, sobre os objetos,<strong>sua</strong>s propriedades: “a abstração “empírica” (empirique)tira <strong>sua</strong>s informações dos objetos como tais, <strong>ou</strong> das açõesdo sujeito sobre <strong>sua</strong>s características materiais; de modogeral, pois, dos ob<strong>se</strong>rváveis, ao passo que a abstração“reflexionante” (réfléchissante) apóia-<strong>se</strong> sobre as coordenaçõesdas ações do sujeito, podendo estas coordenações,e o próprio processo reflexionante, permanecerinconscientes, <strong>ou</strong> dar lugar a tomadas de consciênciae conceituações variadas. Quando o objeto é modi-<strong>Psic</strong>ologia Escolar e Educacional, 2003 Volume 7 Número 1 85-96
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