ANISTIA INTERNACIONAL
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É bem provável que qualquer narrativa<br />
abrangente que tente explicar os eventos<br />
turbulentos do ano passado seja incompleta.<br />
Mas a realidade é que começamos 2017<br />
num mundo bastante instável, cheio de<br />
agitação e incertezas sobre o futuro.<br />
Nesse cenário, a certeza dos valores<br />
articulados na Declaração Universal dos<br />
Direitos Humanos de 1948 corre o risco de<br />
ser dissolvida. A Declaração, escrita logo<br />
após um dos períodos mais sangrentos da<br />
história humana, começa com essas<br />
palavras:<br />
“Considerando que o reconhecimento da<br />
dignidade inerente a todos os membros da<br />
família humana e dos seus direitos iguais e<br />
inalienáveis constitui o fundamento da<br />
liberdade, da justiça e da paz no mundo.”<br />
Assim, apesar das lições do passado,<br />
2016 viu a ideia de dignidade e igualdade<br />
humanas, a própria noção da humanidade<br />
como uma família, sob um ataque vigoroso e<br />
implacável de narrativas poderosas de culpa,<br />
medo e bodes expiatórios, propagadas por<br />
aqueles que buscam tomar ou se manter no<br />
poder a quase qualquer preço.<br />
O desprezo por esses ideais foi<br />
demonstrado com abundância num ano em<br />
que o bombardeio deliberado de hospitais se<br />
tornou um acontecimento rotineiro na Síria e<br />
no Iêmen; em que refugiados foram forçados<br />
a voltar às zonas de conflito; em que a inação<br />
quase total do mundo em Aleppo trouxe à<br />
memória fracassos similares em Ruanda e<br />
Srebrenica em 1994 e 1995; e em que os<br />
governos de quase todas as regiões do<br />
mundo reprimiram duramente as vozes<br />
dissidentes.<br />
Diante disso, é alarmante como tem sido<br />
fácil pintar uma imagem distópica do mundo<br />
e seu futuro. A tarefa urgente e cada vez<br />
mais difícil que se apresenta é reavivar o<br />
compromisso com esses valores<br />
fundamentais, dos quais a humanidade<br />
depende.<br />
Entre os acontecimentos mais inquietantes<br />
de 2016 estão os frutos de uma nova<br />
barganha oferecida pelos governos a seus<br />
povos — uma promessa de segurança e<br />
melhoria econômica em troca da cessão de<br />
direitos de participação e liberdades civis.<br />
Nenhuma parte do mundo passou o ano<br />
livre de repressão à dissidência — em alguns<br />
casos evidente e violenta, em outros sutil e<br />
sob um véu de respeitabilidade. A tentativa<br />
de silenciar as vozes críticas aumentou em<br />
abrangência e intensidade em boa parte do<br />
mundo.<br />
O assassinato da líder indígena Berta<br />
Cáceres em Honduras, em 3 de março,<br />
simbolizou os perigos enfrentados por<br />
pessoas que têm a coragem de enfrentar<br />
Estados poderosos e interesses corporativos.<br />
Esses bravos defensores dos direitos<br />
humanos, nas Américas e em outros lugares,<br />
são muitas vezes tratados como ameaça ao<br />
desenvolvimento econômico pelos governos,<br />
por conta de seus esforços para destacar as<br />
consequências humanas e ambientais de<br />
projetos de infraestrutura e exploração de<br />
recursos. Por seu trabalho defendendo<br />
comunidades locais e suas terras, mais<br />
recentemente contra uma proposta de<br />
barragem, Berta Cáceres era aclamada no<br />
mundo todo. Os homens armados que a<br />
mataram em sua própria casa mandaram<br />
uma mensagem aterrorizante para os outros<br />
ativistas, em especial os que não têm o<br />
mesmo nível de atenção internacional.<br />
A segurança foi usada como justificativa<br />
para atos de repressão no mundo inteiro. Na<br />
Etiópia, em resposta a protestos em grande<br />
parte pacíficos contra a desapropriação<br />
injusta de terras na região de Oromia, forças<br />
de segurança mataram várias centenas de<br />
manifestantes e as autoridades prenderam<br />
arbitrariamente milhares de pessoas. O<br />
governo etíope usou a Proclamação<br />
Antiterrorismo para reprimir duramente<br />
ativistas de direitos humanos, jornalistas e<br />
membros da oposição política.<br />
Na esteira de uma tentativa de golpe em<br />
julho, a Turquia aumentou a repressão das<br />
vozes dissidentes durante um estado de<br />
emergência. Mais de 90 mil funcionários do<br />
setor público foram demitidos com base em<br />
alegações de “ligação com uma organização<br />
terrorista ou ameaça à segurança nacional”,<br />
enquanto 118 jornalistas foram mantidos em<br />
Anistia Internacional Informe 2016/17 11