You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
18/127
noite, lembrando de seu filho com orgulho, ele olhou para as estrelas infinitas e
de súbito compreendeu: ‘Como fico alegre por estar vivo para reverenciar este
universo estrelado!’, e então: ‘Mas não se trata de estar vivo, e o universo estrelado
não é necessariamente o universo estrelado’, e ele percebeu a completa estranheza
e não obstante a trivialidade da sabedoria insuperável de Buda.”
Ali pela terça parte de Despertar, Kerouac descreve Buda como o supremo
“vagabundo do Darma” em uma passagem inacreditavelmente brilhante que me
sinto compelido a repetir:
Buda aceitava tanto comida boa quanto ruim, o que quer que aparecesse, de
ricos ou pobres, sem distinção, e, tendo enchido seu prato de esmolar, então
voltava para a solidão, onde meditava em sua prece pela emancipação do mundo
do desgosto bestial e das incessantes ações sangrentas de morte e nascimento,
morte e nascimento, das ignorantes guerras rangentes e clamorosas, da matança
de cachorros, das histórias, asneiras, pai batendo no filho, criança atormentando
criança, amante arruinando amante, ladrão atacando sovina, palermas
sanguinários olhando de esguelha, petulantes, loucos, dementes, gemendo por
mais luxúria sangrenta, bêbados completos, simplórios correndo para cima e
para baixo entre sepulturas de sua própria autoria, sorrindo afetados por toda
parte, meros tsorises e estalos de sonho, uma besta monstruosa despejando
formas de uma pletora central, tudo enterrado em escuridão insondável crocitando
pela esperança otimista de que só pode haver extinção completa, de base
inocente e sem qualquer vestígio de qualquer natureza do eu que seja; pois, caso
fossem removidas as causas e condições da insanidade ignorante do mundo, a
natureza de sua não ignorância não insana seria revelada, como o filho da madrugada
entrando no céu através da manhã no lago da mente, a mente pura, verdadeira,
a fonte, essência original perfeita, a radiância do vácuo vazio, divina
por natureza, a única realidade, imaculada, universal, eterna, cem por cento
mental, sobre a qual é gravada toda essa escuridão cheia de sonho, sobre a qual
essas formas corpóreas irreais aparecem pelo que parece um momento e então
desaparecem pelo que parece a eternidade.
Na metade do livro, Kerouac recita seu refrão: “Por toda parte tudo é para
sempre vazio, despertem! A mente é tola e limitada para tomar esses sentidos,
adversidades insignificantes em um sonho, como realidade; como se as profundezas
do oceano fossem movidas pelo vento que agita as ondas. E esse vento é a
ignorância.” E mais adiante: “Tudo está acontecendo em sua mente, como um
sonho. Tão logo você desperta e para de sonhar, sua mente retorna à vacuidade
e pureza originais. Na verdade, sua mente já retornou à vacuidade e pureza