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Cavalgaram em silêncio pelo portão real. Olhando para trás uma vez, o

príncipe disse, trêmulo: “Se eu não escapar do nascimento, da velhice e da

morte para sempre, não vou sair disso.”

Mestre e servo cavalgaram através da floresta da noite. Ao amanhecer,

chegando a uma paragem, apearam e descansaram. “Você me conduziu bem”,

disse o príncipe, afagando o cavalo. E ao servo: “Você seguiu sempre atrás de

mim nas cavalgadas, e me sinto profundamente em dívida e agradecido. Só o

conheci como um homem sincero, mas não posso prendê-lo aqui com muitas

palavras, de modo que deixe-me dizer de forma breve: chegamos aqui ao fim de

nosso relacionamento; pegue, pois, meu cavalo e retorne; quanto a mim, durante

a longa noite passada, consegui alcançar aquele lugar que buscava!”

Vendo que o servo estava relutante e cheio de remorso, o príncipe

entregou-lhe uma joia preciosa: “Kandaka, pegue esta gema e, ao voltar para

onde está meu pai, tome-a e deposite-a diante dele com reverência, significando

minha relação de coração com ele; e então, por mim, solicite ao rei que sufoque

toda sensação volúvel de afeição e diga que eu, para escapar do nascimento, envelhecimento

e morte, entrei na floresta selvagem da disciplina dolorosa; não

que eu vá obter um nascimento celestial, muito menos que não tenha ternura no

coração ou que nutra qualquer causa de amargura, mas apenas porque busco o

caminho da fuga definitiva.

“Meus ancestrais, reis vitoriosos, pensando no trono como estabelecido e

imóvel, legaram-me sua riqueza real; eu, pensando apenas em religião, coloquei

tudo de lado; regozijo-me por ter adquirido riqueza religiosa.

“E se você acha que sou jovem e imaturo e que o tempo da busca não é

chegado, deve saber que para se buscar a verdadeira religião jamais existe um

tempo inadequado; impermanência e inconstância, o ódio da morte, isso nos

segue sempre, e portanto eu abraço o dia de hoje, convencido de que agora é a

hora de buscar.”

O pobre Kandaka chorou.

“Você deve superar esse estado pesaroso, cabe a você se consolar; todas as

criaturas, cada uma a seu modo, tolamente argumentando que todas as coisas

são constantes, me influenciariam hoje a não abandonar minha família e parentes;

mas deixe que digam: quando eu estiver morto e tiver me tornado um

fantasma, como então poderei ser mantido?”

Essas palavras de um sábio em potencial, puro e fascinante, ainda que vindas

dos lábios de um príncipe jovem e gentil, eram como fardos de dor para

aqueles que o amavam e cobiçavam sua estima contínua. Mas não havia outro

jeito: o relacionamento dele com o mundo tinha de ser rompido.

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