I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s:pequenos gran<strong>de</strong>s retratosA noção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser pensa<strong>da</strong> a partir dos dicionários.Vejamos a <strong>de</strong>finição encontra<strong>da</strong> no Aurélio: um conjunto <strong>de</strong> caracterespróprios e exclusivos <strong>de</strong> uma pessoa: nome, i<strong>da</strong><strong>de</strong>, estado, profissão, sexo,<strong>de</strong>feitos físicos, impressões digitais, etc.Essa <strong>de</strong>finição se mostra fun<strong>da</strong>mental para registrar que ai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é constituí<strong>da</strong> por vários traços. Alguns <strong>de</strong>stes, adquiridosao nascer e imutáveis, como as impressões digitais, outrosadquiridos ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e passíveis <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finições, tais comoa sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ocupação profissional e o gosto musical.Po<strong>de</strong>mos, então, nos perguntar: se a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é um conjunto<strong>de</strong> caracteres próprios e exclusivos <strong>de</strong> uma pessoa, é necessárioconsi<strong>de</strong>rar também o caráter coletivo presente em sua constituição?A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> não é construí<strong>da</strong> isola<strong>da</strong>mente e sim emcontato com outras referências. Nas palavras <strong>de</strong> Elisa Larkin (2003,p. 31), cientista social e pesquisadora <strong>da</strong>s relações étnico-raciais, ai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> coletiva po<strong>de</strong> ser entendi<strong>da</strong> como conjunto <strong>de</strong> referenciais que regemos inter-relacionamentos dos integrantes <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou como o complexo<strong>de</strong> referenciais que diferenciam o grupo e seus componentes dos “outros”, grupose seus membros, que compõem o restante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. A pesquisadoraconclui que a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é um processo, ganhando contornos apartir dos lugares sociais que ocupamos como indivíduos, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um espaço ain<strong>da</strong> <strong>maio</strong>r chamado socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Aproveitando a <strong>de</strong>finição sugeri<strong>da</strong> pelo dicionário, po<strong>de</strong>mosobservar as marcas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> nos documentos pessoais,que cumprem o papel <strong>de</strong> inscrever juridicamente as pessoas nomundo. Nos documentos como a certidão <strong>de</strong> nascimento, porexemplo, po<strong>de</strong>-se verificar o ano e o local <strong>de</strong> nascimento, a cor <strong>da</strong>pele, a filiação e outros <strong>da</strong>dos relevantes.Também no registro geral – o RG, conhecido também comoCarteira <strong>de</strong> I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> – observam-se outras marcas singulares. Éúnico o número que se refere a um tempo cronológico e ao local<strong>de</strong> expedição do documento, assim como é única a impressão digital,a forma <strong>de</strong> assinar o nome e a fotografia.De olho na Cultura 29
A fotografia <strong>da</strong> carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é fun<strong>da</strong>mental paraa discussão, pois estampa os fenótipos que revelam o pertencimentoétnico-racial — a cor <strong>da</strong> pele, o formato do rosto, donariz, <strong>da</strong> testa, <strong>da</strong> boca e tipo <strong>de</strong> cabelo. Diante <strong>da</strong> foto valorizamosou não os traços? Como estes são vistos por outros que nãopertencem ao mesmo grupo?A reflexão sobre i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> racial há muito tem ocupadodiversos pesquisadores. Para Kabengele Munanga, africano radicadono Brasil, professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>passa pela cor <strong>da</strong> pele, pela <strong>cultura</strong>, ou pela produção <strong>cultura</strong>l do negro;passa pela contribuição histórica do negro na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira, na construção<strong>da</strong> economia do país com seu sangue; passa pela recuperação <strong>de</strong> sua históriaafricana, <strong>de</strong> sua visão <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> sua religião. O autor chama a atençãopara os inúmeros aspectos que envolvem a peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> populaçãonegra. Sob essa perspectiva, a <strong>cultura</strong> é constituinte <strong>da</strong>i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.A cor <strong>da</strong> pele tem sido um dos fatores presentes nesse <strong>de</strong>bate.Sueli Carneiro, pesquisadora e diretora do Geledés – Instituto<strong>da</strong> Mulher Negra – escreveu instigante artigo, por ocasião do<strong>de</strong>bate em torno <strong>da</strong> instituição <strong>da</strong>s cotas para a população negrana universi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Insisto em contar a forma pela qual foi assegura<strong>da</strong>,no registro <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> minha filha Luan<strong>da</strong>, asua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra. O pai, branco, vai ao cartório,o escrivão preenche o registro e, no campo <strong>de</strong>stinadoà cor, escreve: branca. O pai diz ao escrivão que acor está erra<strong>da</strong>, porque a mãe <strong>da</strong> criança é negra. Oescrivão, resistente, corrige o erro e planta a novacor, par<strong>da</strong>. O pai novamente reage e diz que sua filhanão é par<strong>da</strong>. O escrivão, irritado, pergunta: entãoqual a cor <strong>de</strong> sua filha? O pai respon<strong>de</strong>: negra. Oescrivão retruca: ‘‘Mas ela não puxou nem um pouquinhoo senhor?’’É assim que se vão clareando as pessoas no Brasil eo Brasil. Esse pai, brasileiro naturalizado e <strong>de</strong>fenótipo ariano, não tem, como branco que <strong>de</strong> fato é,as dúvi<strong>da</strong>s metafísicas que assombram a raciali<strong>da</strong><strong>de</strong>no Brasil, um país percebido por ele e pela <strong>maio</strong>ria<strong>de</strong> estrangeiros brancos como <strong>de</strong> <strong>maio</strong>ria negra. (...)30 De olho na Cultura
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