Literatura infantil, <strong>de</strong>senho animado,programas infantisA Psicanálise já folheou as páginas <strong>da</strong> literatura produzi<strong>da</strong> paracrianças. Os profundos conflitos psíquicos aparecem nas personagensem chaves emocionais como abandono, per<strong>da</strong>, competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,autonomia, etc. Lembremos que a obra literária dirigi<strong>da</strong>a esse público transmite mensagens não apenas através do textoescrito. As ilustrações, sobretudo, constróem enredos sobre protagonistas,personagens secundários e cenários.E se pensarmos nesse universo literário imaginado pela criaçãohumana, como um espelho on<strong>de</strong> o leitor se reconhece nos mo<strong>de</strong>los<strong>de</strong> personagens, ambientes, emoções? Procure olhar para apresença negra nessas produções. O que há <strong>de</strong> positivo e negativo?No processo <strong>de</strong> constituir-se sujeito leitor, a criança gosta <strong>de</strong> uns e<strong>de</strong>sgosta <strong>de</strong> outros personagem, forma opiniões a respeito <strong>da</strong>queletipo humano e dos cenários carregados <strong>de</strong> crenças e valores.Nessa dimensão, a literatura é, portanto, um espaço <strong>de</strong> representação<strong>de</strong> enredos e lógicas, on<strong>de</strong>, ao me representar, eu me crioe ao me criar eu me repito, isto é, dissemino e perpetuo percepções.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Procure algumas <strong>da</strong>s tipologias negras que circulam na literaturainfanto-juvenil a seu dispor. Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rá-las expressivas <strong>da</strong>srelações raciais a partir do que aparece nesse mundo dos livros? Verifiquea construção i<strong>de</strong>ológica do corpo, as vestimentas, a hierarquiacom relação aos <strong>de</strong>mais personagens não-negros, a fala,a religião,asconcepções <strong>de</strong> civilização envolvi<strong>da</strong>s, raciologias, associações coma África, enfim, os códigos embutidos nos textos e nas imagens.Procure um <strong>de</strong>senho animado produzido para crianças ebaseado em uma narrativa africana.Assista a programas <strong>de</strong> televisão. Passe uma semana sintonizandoa programação dirigi<strong>da</strong> às crianças em um ou vários canais.Levante nos elementos visuais, o que circula como associaçõesaos afro-brasileiros.De olho na Cultura 75
Estudo sobre a relação entre televisão e criança vem <strong>de</strong>tectandoa exposição a valores globalizantes em <strong>de</strong>trimento dos regionais.As imagens nas telas são espelhos para a formação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Intelectuais negros <strong>da</strong> África do Sul, por exemplo, ao discutiremsobre a televisão chamam a atenção para uma série <strong>de</strong>invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s que caracterizaram a dominação pelos regimes racistasque governaram o país. Mais do que isso, levantam alguns princípiosque <strong>de</strong>vem ser televalorizados. Um <strong>de</strong>les utiliza o termo “umbuntu”,palavra africana que significa “eu vivo através <strong>de</strong> você”. Tomar contado outro sem qualquer expectativa <strong>de</strong> retribuição é um valor que perpassamuitos aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> africana e que não po<strong>de</strong> ser esquecidona orientação para uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> televisão sul africana.No Brasil, a presença <strong>de</strong> personagens bem construídos noseriado Rá Tim Bum, exibido a partir <strong>de</strong> 1995, <strong>de</strong>senvolveu umcui<strong>da</strong>do, até hoje, exemplar. Naquele universo <strong>de</strong> fantasia, mascom intenções educativas, a parcela afro-brasileira esteve semprerepresenta<strong>da</strong> através <strong>de</strong> seus protagonistas. Porém, o exemplo, apesar<strong>de</strong> sua força, é uma rari<strong>da</strong><strong>de</strong> no conjunto <strong>da</strong> programaçãodirigi<strong>da</strong> às crianças brasileiras.Outro fenômeno <strong>de</strong> sucesso é o <strong>de</strong>senho animado Kiriku e afeiticeira, uma produção dirigi<strong>da</strong> pelo francês Michel Ocelôt, que primapela construção <strong>da</strong>s figuras que remetem a uma África imaginária.Até então, casos como O Rei Leão, uma superprodução Disneynão haviam <strong>de</strong>monstrado a menor preocupação com a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>africana, aparentemente central no repertório. Ao contrário, osleões remetem a figuras loiras do pai e seu filhote loirinho, morenas<strong>de</strong> cabelo liso como o irmão malvado que incorpora trejeitos gays.Em Kiriku, o corpo africano é altivo, não é imbecilizado. A narrativa,ain<strong>da</strong> que seja uma a<strong>da</strong>ptação, conserva outro princípio importanteque po<strong>de</strong> ser recolhido em algumas Áfricas: a não polarização<strong>da</strong> natureza em bem e mal apenas. É um avanço como materialdisponível, embora caiba ain<strong>da</strong> chamar a atenção para a orientalizaçãodo herói principal que, pelo gestual, lembra a figura <strong>de</strong> um Bu<strong>da</strong>.O cinema, a televisão, a literatura, o teatro, a internet, etc.precisam ain<strong>da</strong> integrar com quali<strong>da</strong><strong>de</strong> os afro-brasileiros e suariqueza <strong>cultura</strong>l, retratando-os em suas multifaces e nas varia<strong>da</strong>ssituações e papéis sociais que vivenciam no cotidiano <strong>de</strong>ste país.76 De olho na Cultura
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