<strong>de</strong> histórias coletivas há uma categoria menos profana, a dos Doma,respeitados como os mais nobres guardiões <strong>da</strong> palavra, por meio<strong>da</strong> qual criam a harmonia e reor<strong>de</strong>nam a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Elesnão po<strong>de</strong>m estragar sua palavra com a mentira. É <strong>da</strong> palavra quevem o po<strong>de</strong>r. A palavra carrega uma força e, por isso, ignoraraquilo que é pronunciado e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é cometer uma falha grave,que po<strong>de</strong> ser compara<strong>da</strong> ao ato <strong>de</strong> tirar uma parte <strong>de</strong> nosso corpo,o que nos faria per<strong>de</strong>r a vi<strong>da</strong> ou uma parte <strong>de</strong> nós.A tradição oral po<strong>de</strong> ser vista como um reservatório <strong>de</strong>fórmulas <strong>de</strong> conhecimento que auxilia o homem a se integrar notempo e no espaço. Ela não po<strong>de</strong> ser esqueci<strong>da</strong> ou <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>.Sendo assim, o ser humano é um ser <strong>de</strong> palavra, sua voz e sua falatêm que ser respeita<strong>da</strong>s e a palavra não po<strong>de</strong> ser usa<strong>da</strong> para ferir adigni<strong>da</strong><strong>de</strong> humana. A orali<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma forma <strong>de</strong> registro, preservaçãoe transmissão dos conhecimentos tão (ou mais) complexa quea escrita, pois emprega vários modos <strong>de</strong> expressão, tais comocorporali<strong>da</strong><strong>de</strong>, musicali<strong>da</strong><strong>de</strong>, gestos, narrativas, <strong>da</strong>nças, etc.É nessa perspectiva, talvez incomum para algumas pessoas,que as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste bloco <strong>de</strong>vem ser realiza<strong>da</strong>s, a fim <strong>de</strong> refletirsignificados e conhecimentos <strong>cultura</strong>is que façam parte dos saberesafro-brasileiros, até então <strong>de</strong>svalorizados ou ignorados em espaçoseducativos e profissionais.Vale salientar que parte dos africanos passou a conviver coma orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e também com a escrita surgi<strong>da</strong> no continente, no Egitoantigo. Tal surgimento, que <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> cinco mil anos A.C, se<strong>de</strong>u por meio <strong>da</strong> escrita hieroglífica. Para alguns historiadores, essefato marca a passagem <strong>da</strong> pré-história para o início <strong>da</strong> história.Hoje nós temos a escrita como forma <strong>de</strong> apontamento <strong>de</strong>nossas memórias, mas ela não é a única forma <strong>de</strong> registrar os conhecimentos.A orali<strong>da</strong><strong>de</strong> serviu para preservar as manifestações<strong>cultura</strong>is africanas no Brasil. Sendo assim, a influência negra natradição musical brasileira, a capoeira, as formas <strong>de</strong> resistência, asreligiões <strong>de</strong> matriz africana e outras manifestações <strong>cultura</strong>is <strong>de</strong>diversos grupos étnicos foram passa<strong>da</strong>s <strong>de</strong> geração em geração,até chegarem aos dias atuais.A tradição oral, no universo africano e afro-brasileiro, revelauma dimensão criadora e ancestral, uma vez que os costumes,De olho na Cultura 87
os valores e a memória são revividos, por exemplo, em ca<strong>da</strong> cantiga,<strong>da</strong>nça, ritual e narrativas que expressam nossas marcas <strong>cultura</strong>isComo já afirmado, a palavra é um elemento primordial para acomposição <strong>da</strong>s relações individuais e grupais.Os africanos que foram escravizados no Brasil trouxeramconsigo seus rituais <strong>de</strong> celebração, seus valores, suas linguagens, suasreligiões, seus costumes. Trouxeram também suas vestimentas, penteados,temperos, canções, <strong>da</strong>nças, folhas, tambores, as técnicas nocampo <strong>da</strong> agri<strong>cultura</strong>, <strong>da</strong> metalurgia, <strong>da</strong> pesca, <strong>de</strong>ntre outros.Geografia <strong>da</strong> memóriaÉ possível percorrer espaços, gentes, vozes, imagens, épocas etc,para realizar um mapeamento ou geografia <strong>da</strong> nossa memória ancestralafro-brasileira? Para isso, pare, sinta, ouça e reflita arespeito.Faça isso por meio <strong>da</strong>s histórias conta<strong>da</strong>s por quem convivecom você, pelas festas, músicas, <strong>da</strong>nças e fotografias.Enquanto na África <strong>de</strong>staca-se a figura masculina como contadora<strong>de</strong> histórias, no Brasil, <strong>de</strong> modo geral, <strong>de</strong>staca-se a mulhernegra como guardiã <strong>da</strong> memória: ela é quem conta histórias paradormir, para educar, para trabalhar, para reverenciar a memóriados ancestrais e para festejar. Po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar alguns <strong>de</strong>ssesaspectos nos textos a seguir:Texto AVovó BrandinaCaxinguelê - Lepê CorreiaTá aí, vovó BrandinaMeus filhos, meus pais, teus netosTá aí, negra velha minha,Bisavó, dos meus poemasMãe do parir <strong>de</strong>ste cantoNegro e belo que é teu par.Conta histórias do engenhoDa moen<strong>da</strong>, do cercadoDo chicote e homens bravosDa pele ebanifica<strong>da</strong>....88 De olho na Cultura
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