Orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, som e gestocomo forma <strong>de</strong> comunicaçãoO texto a seguir exige uma atenção <strong>maio</strong>r. Leia-o individualmente.Grife as partes que lhe chamam a atenção. Escreva o que vocêenten<strong>de</strong>u e discuta com seus colegas. O objetivo <strong>da</strong> leitura é obterinformações a respeito <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e corporei<strong>da</strong><strong>de</strong> comosímbolos ou significados <strong>de</strong> algumas manifestações <strong>cultura</strong>is oureligiosas. Trata-se <strong>de</strong> uma seleção <strong>de</strong> algumas partes do texto “AOralitura <strong>da</strong> Memória” <strong>da</strong> pesquisadora Le<strong>da</strong> Maria Martins, publicadono livro Brasil Afro-brasileiro (Autêntica, 2001) 1 .Nesse texto, a autora faz uma reflexão sobre a performancedo corpo grafado no tempo e na memória, através <strong>da</strong>s manifestaçõesdos Reinados e dos Congados (manifestações presentes naregião su<strong>de</strong>ste do país: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo).Segundo Le<strong>da</strong> Martins, os Reinados ou Congados são umsistema religioso que se institui no âmbito <strong>da</strong> religião católica, veiculadospor cerimônias festivas e por celebrações que gravitamem torno <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, SantaEfigênia e Nossa Senhora <strong>da</strong>s Mercês. Os rituais <strong>de</strong>ssas manifestações,concretizados por meio <strong>de</strong> uma estrutura simbólica elitúrgica complexa, incluem a participação <strong>de</strong> grupos distintos,<strong>de</strong>nominados guar<strong>da</strong>s, e a instauração <strong>de</strong> um império negro, noâmbito do qual autos e <strong>da</strong>nças dramáticas, coroação <strong>de</strong> reis e rainhas,embaixa<strong>da</strong>s, atos litúrgicos cerimoniais e cênicos criam umaperformance mitopoética que reinterpreta as travessias dos negros<strong>da</strong> África às Américas.Essa recriação dos vestígios e reminiscências <strong>de</strong> uma organizaçãosocial ancestral remete ao papel e função do po<strong>de</strong>r realnas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s africanas transplanta<strong>da</strong>s para as Américas. Oaforisma Kicongo Ma’Kwen<strong>da</strong>! Ma’Kwisa!, O que se passa agora,retornará <strong>de</strong>pois, traduz com sabor a idéia <strong>de</strong> que o que flui no movimentocíclico permanecerá no movimento.Esse sistema <strong>de</strong> pensamento configura o sujeito como umaparte do cosmos; um dos anéis <strong>de</strong> um dínamo temporal curvilíneoque produz um movimento simultaneamente retrospectivo e1A obra foi organiza<strong>da</strong> pela pesquisadora, professorae militante do movimento negro <strong>de</strong> Salvador MariaNazareth S. Fonseca.De olho na Cultura 93
prospectivo, vertical e horizontal, circunscrevendo ain<strong>da</strong> no mesmoâmbito o tempo e o espaço como imagens reciprocamenteespelha<strong>da</strong>s. Nessa sincronia, o passado po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como olugar <strong>de</strong> um saber e <strong>de</strong> uma experiência acumulativos, que habitamo presente e o futuro, sendo também por eles habitado.A mediação dos ancestrais, manifesta nos Congados pelaforça dos candomblés (os tambores sagrados), é a chave-mestrados ritos e é <strong>de</strong>la que advém a potência <strong>da</strong> palavra vocaliza<strong>da</strong> e dogesto corporal, instrumentos <strong>de</strong> inscrição e <strong>de</strong> retransmissão dolegado ancestral. Na performance ritual, o conga<strong>de</strong>iro, simultaneamente,espelha-se nos rastros vincados pelos antepassados,reificando-se, mas <strong>de</strong>les também se distancia, imprimindo, comona improvisação melódica, seus próprios tons e pega<strong>da</strong>s.Nos rituais, “ca<strong>da</strong> repetição é em certa medi<strong>da</strong> original, assimcomo, ao mesmo tempo, nunca é totalmente nova.” Esse processopendular entre a tradição e a sua transmissão institui ummovimento curvilíneo, reativador e prospectivo que integra sincronicamente,na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do ato performado, o presente dopretérito e do futuro.O corpo em performance restaura, expressa e, simultaneamente,produz esse conhecimento, grafado na memória do gesto.Performar, neste sentido, significa repetir, transcriando, revisando.Ação restaura<strong>da</strong> é aquilo que po<strong>de</strong> ser repetido e recriado. A persistência<strong>da</strong> memória coletiva através <strong>de</strong> uma ação restaura<strong>da</strong> representauma forma <strong>de</strong> conhecimento potencialmente alternativa econtestatória – conhecimento corporal, hábito, costume.A memória dos saberes dissemina-se por inúmeros atos <strong>de</strong><strong>de</strong>sempenho, um mais além do registro gravado pela letra alfabética.Por via <strong>da</strong> performance corporal — movimentos, gestos, <strong>da</strong>nças,práticas performáticas, cerimônias <strong>de</strong> celebração e rituais — amemória seletiva do conhecimento prévio é instituí<strong>da</strong> e manti<strong>da</strong>nos âmbitos social e <strong>cultura</strong>l.Na performance dos congados, a palavra, articula<strong>da</strong> através<strong>de</strong> vogais, ressoa como efeito <strong>de</strong> uma linguagem pulsional do corpo,inscrevendo o sujeito emissor num <strong>de</strong>terminado circuito <strong>de</strong> expressão,potência e po<strong>de</strong>r. Como sopro, hábito, dicção e acontecimento,a palavra proferi<strong>da</strong> grafa-se na performance do corpo, lugar94 De olho na Cultura
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