José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Nos poemas referi<strong>do</strong>s, fundan<strong>do</strong> (ou legitiman<strong>do</strong>), porventura, o poder da poesia, o<br />
poeta realça o estatuto de seres eleitos e inspira<strong>do</strong>s, 108 o supremo privilégio <strong>do</strong>s poetas<br />
verdadeiros. Seres especiais, distintos <strong>do</strong>s outros mortais, só eles ouvem “ aquela flauta<br />
que ninguém toca” (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:46). Por isso, “hierofantes” apresentam-se como “<br />
(…) homens estranhos incumbi<strong>do</strong>s da missão especial de dizer o que mais ninguém<br />
ousava” (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:11) e são porta<strong>do</strong>res da chama (sagrada?) que ilumina (o<br />
caminho) e incendeia a noite <strong>–</strong> das trevas: “Quem traz o Archote/ que o mun<strong>do</strong><br />
incendeia/ na noite das sebes? / És tu, o Poeta. És tu, ninguém mais” (<strong>Ferreira</strong>,<br />
1990a:198).<br />
O carácter singular é reafirma<strong>do</strong> pela anáfora “és tu” e pelo pronome indefini<strong>do</strong><br />
“ninguém”, combina<strong>do</strong> com o advérbio de quantidade “mais”, que lhe restringe o<br />
senti<strong>do</strong>, conferin<strong>do</strong> um carácter único ao poeta. Este carácter é reitera<strong>do</strong> no poema V<br />
da série Eléctrico:<br />
Poeta o que é?<br />
Um homem que leva<br />
o facho da treva<br />
no fun<strong>do</strong> da mina<br />
apenas vê o que não ilumina 109 (<strong>Ferreira</strong>, 1990a: 314).<br />
108<br />
Shelley dizia: “Os poetas são os hierofantes de uma inspiração inapreendida; os espelhos das<br />
gigantescas sombras que a futuridade lança sobre o presente; as palavras que exprimem o que eles<br />
não compreendem, as trombetas que conduzem à batalha e não sentem aquilo que os inspiram: a<br />
influência que não é movida, mas que move. Os poetas são os legisla<strong>do</strong>res não reconheci<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
Mun<strong>do</strong>” (2001:87).<br />
109 Cf. Coelho (1972:93-96).<br />
114 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>