José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
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no meio das estrelas<br />
<strong>–</strong> a chorar com saudades <strong>do</strong>s homens<br />
e da morte. (ibidem)<br />
Assim, embora haja a consciência de que a Poesia se pode mover no céu e na terra,<br />
há uma opção pelo pólo terreno. A encruzilhada que se anulara momentaneamente é<br />
retomada no poema XXIV da série Cinzas (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:117).<br />
A morte de um amigo, “Soeiro Pereira <strong>Gomes</strong>”, desencadeou mais uma reflexão<br />
sobre a Poesia, “hoje até remorsos tenho/ <strong>do</strong>s meus pobres versos a fingirem de<br />
subversivos”, destacan<strong>do</strong> a incapacidade <strong>do</strong>s poemas de serem, efectivamente,<br />
militantes. Só o fingimento permite essa ilusória militância. Num segun<strong>do</strong> momento<br />
<strong>do</strong> poema, uma reflexão parentética associa a Poesia à evasão, “(no fun<strong>do</strong>, evasão para<br />
futuros sem chão)”, já que os poemas não cumprem a sua missão. E assim retomamos<br />
a encruzilhada poética. A poesia devia ser terrena, comprometida e, afinal, ausenta-se<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Simulan<strong>do</strong> a sua reentrada no mun<strong>do</strong>, no poema IX da série Encruzilhada<br />
(<strong>Ferreira</strong>, 1991a:138), é cria<strong>do</strong> um cenário aparentemente natural, “giestas, silvas, tojo<br />
(…) coaxar de sapos”, onde surge a poesia. Neste cenário, coexistem sensações visuais e<br />
auditivas, embora haja uma pre<strong>do</strong>minância da audição: “sussurro hermético de um<br />
bicho (…) coaxar <strong>do</strong> sapos”. Mais uma vez surge o elemento bicho e o poeta como<br />
construtor de bichos. O bicho/ o poema sussurra (talvez porque se deve reduzir a um<br />
silêncio imposto que cale a Poesia) e rói o tempo (ao mesmo tempo que é um silêncio<br />
imposto, é um silêncio insurrecto que massacra o tempo da ditadura). Este tempo é<br />
retoma<strong>do</strong> no verso seguinte através da referência ao coaxar <strong>do</strong>s sapos, actividade que<br />
ocorre à noite (talvez numa evocação da longa noite <strong>do</strong> Fascismo). To<strong>do</strong>s estes<br />
126 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>