José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
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mesmo dilema a requerer a militância <strong>do</strong> poeta que não a prodigaliza: “no entanto a<br />
força da poesia continua” (<strong>Ferreira</strong>, 1998:145).<br />
Superior a todas as adversidades, o poder da Poesia é enalteci<strong>do</strong> no poema cita<strong>do</strong>,<br />
que se inicia com uma locução adversativa, provan<strong>do</strong> a força da Poesia, que resiste a<br />
qualquer tribulação <strong>–</strong> assim se destaca a constância <strong>do</strong> poeta, mesmo que dividi<strong>do</strong> por<br />
múltiplos apelos:<br />
mas onde estão as bocas inteiras para as palavras?<br />
E a beleza? Para que serve agora a Beleza<br />
sem olhos para a dispor nas pedras?” (<strong>Ferreira</strong>, ibidem)<br />
A Poesia pede inteireza, pede totalidade. Se as palavras são a Poesia, as bocas são os<br />
poetas. É necessário que estes cumpram a sua missão.<br />
Crente na poesia, o poeta recorre à ironia, como processo de distanciação, para<br />
ladear o silêncio que lhe é imposto pela censura: “hei-de publicar estes versos com tinta<br />
invisível” (<strong>Ferreira</strong>, 1998:146). A publicação pressupõe a vontade de dar a conhecer, de<br />
partilhar, e a tinta invisível é impeditiva da leitura, traduzin<strong>do</strong> uma vontade de<br />
esconder. O poeta explica a finalidade desta ambivalência de comportamentos<br />
para que ninguém suspeite<br />
da boca que trago oculta dentro da minha. (<strong>Ferreira</strong>, ibidem)<br />
Dentro de uma boca matéria temos uma boca etérea <strong>–</strong> talvez a boca poética. E assim<br />
surge uma tensão para camuflar outra tensão. Só aparentemente o poema parece<br />
distante da realidade e, por conseguinte, destituí<strong>do</strong> de qualquer poder:<br />
132 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>