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José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...

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certa prostração (“deitei-me de bruços na terra”), uma visão negativa da terra (“cadáver<br />

com flores”), um certo desencanto (“na esperança fria”) <strong>–</strong> sublinhe-se a contaminação<br />

semântica <strong>do</strong> nome “cadáver” com o adjectivo “fria” <strong>–</strong> a ausência de assertividade<br />

decorrente <strong>do</strong> advérbio de dúvida “talvez”, modaliza<strong>do</strong>r da finalidade: “de ouvir pulsar<br />

nas pedras / um coração talvez…”, e num espaço adverso, “nas pedras”. Daí a falência<br />

desse acto, “Mas em vão! Em vão”, reforçada pela repetição precedida da adversativa. A<br />

segunda apoia-se no discurso injuntivo: “levanta-te poeta 131 , / e dá o coração ao<br />

mun<strong>do</strong>”. Da <strong>do</strong>r pressentida <strong>–</strong> visão disfórica <strong>–</strong> é necessário passar à acção (sentida):<br />

“dar o coração ao mun<strong>do</strong>” (dar ao mun<strong>do</strong> um coração <strong>–</strong> vitalidade).<br />

De certa forma, o sujeito poético aproxima-se de uma poesia de cariz romântico<br />

marcadamente anteriano, assumin<strong>do</strong> a necessidade de intervir, de denunciar,<br />

comungan<strong>do</strong> da <strong>do</strong>r <strong>do</strong>s outros, como prova o poema II de Cabaret (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:<br />

51), no qual o poeta é incentiva<strong>do</strong> a chorar: “vá, poeta, chora! / Chora em voz alta as<br />

tuas lágrimas de subterrâneo”. O eu poético começa por anunciar: “aqui tu<strong>do</strong> é<br />

permiti<strong>do</strong>”, desmembran<strong>do</strong>, num segun<strong>do</strong> momento, o “tu<strong>do</strong>”: “humilhar as<br />

mulheres (…) brandir nos braços (…) amolecer os nervos (…) atirar pensamentos (…)<br />

cuspir nos cadáveres (…) realizar pesadelos (…) cair (…) com a boca cerrada”. No fim<br />

deste segun<strong>do</strong> momento, retoma a afirmação inicial, confirman<strong>do</strong>-a com o advérbio de<br />

afirmação “sim”, e acrescenta uma nova atitude: “chorar”. No segun<strong>do</strong> momento, é<br />

lançada uma invectiva ao poeta: “Chora”.<br />

131 A lembrar Antero de Quental.<br />

142 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>

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