José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
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Depois, no corpo <strong>do</strong> poema, associa, como faz diversas vezes ao longo <strong>do</strong>s seus<br />
textos poéticos, a Poesia à Palavra, ao usar, para dizer Poesia, a imagem “manto de<br />
palavras”. Este manto é o texto poético e a matéria-prima são as palavras. O sujeito<br />
poético optou por uma peça de vestuário que confere um estatuto de dignidade a<br />
quem a usa, reafirman<strong>do</strong> o quão preciosas são as palavras:<br />
palabras, soni<strong>do</strong>s, colores y demás materiales sufren una transmutación apenas<br />
ingresan en el círculo de la poesía.(…) Sin perder sus valores primarios, su peso<br />
original, son también como puentes que nos llevan a otra orilla, puertas que se abren a<br />
otro mun<strong>do</strong> de significa<strong>do</strong>s indecibles por el mero lenguaje (Paz, 1992:22).<br />
Este “manto de palavras”é extremamente valioso, pois as palavras (a matéria<br />
poética) sofrem pelo eu, assumem as suas <strong>do</strong>res “palavras/ a sofrerem por mim / as<br />
minhas <strong>do</strong>res” 121 . Assim, o eu poético dá conta, uma vez mais, da distância entre o<br />
quotidiano <strong>–</strong> ponto de origem <strong>do</strong> dizer poético <strong>–</strong> e o efeito ou resulta<strong>do</strong> deste dizer<br />
patente no poema; da necessidade de resgatar para a poesia as “palavras roídas por<br />
toda a gente” 122 para construir uma linguagem nova, “poesia só minha” (<strong>Ferreira</strong>,<br />
1998:88). Isso não está, no entanto, isento <strong>do</strong> risco de afastamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
outros, o “sangue inocente”, o que conduz o poeta à encruzilhada permanente <strong>do</strong> seu<br />
angustiante dilema: atracção pelo compromisso social e sentimento de impotência na<br />
121 “E no fim de contas, poesia talvez seja este escondermo-nos com angústia atrás das palavras, na<br />
esperança que elas sofram por nós” (<strong>Ferreira</strong>, 1971:12).<br />
122 “La creación consiste en un sacar a luz ciertas palabras inseparables de nuestro ser. (…) El poema está<br />
hecho de palabras necesarias e insustituibles” (Paz, 1992:45).<br />
130 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>