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José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...

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(…) apaga na boca a ternura” e a aparente desistência: “Poeta, não grites”, no poema<br />

XXVIII da série Eléctrico (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:326).<br />

No entanto, este convite não se relaciona com a inutilidade <strong>do</strong> grito, mas com uma<br />

surdez <strong>do</strong>s homens apega<strong>do</strong>s ou agrilhoa<strong>do</strong>s, que estão ao “chão das próprias<br />

sombras”:<br />

Estes homens <strong>–</strong> vê <strong>–</strong> para quem as palavras são limites<br />

e não grades por onde fogem pombas. (ibidem)<br />

Quan<strong>do</strong> as palavras (metaforicamente) poderiam ou deveriam ser entendidas como<br />

pombas que se escapam pelas grades (símbolos de paz e de liberdade), são aceites como<br />

limites. O poeta experimenta então a perseguição de uma voz que o dilacera como a<br />

espada <strong>–</strong> a voz <strong>do</strong> poeta, a consciência de uma Manhã adiada:<br />

És o poeta <strong>do</strong> Poente,<br />

ouviste?<br />

- e mais nada.<br />

(Mas no meu coração triste/ apodrece a madrugada) 133 (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:328)<br />

133 Embora o poeta não se queira iludir, essa manhã pode tornar-se dia claro. Vejamos o poema IX da<br />

série Café que obriga a Poesia a apagar o archote, em consequência <strong>do</strong> nascimento <strong>do</strong> dia, “vai<br />

nascer o dia” (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:47). Esta inoperância da Poesia levou o poeta a pôr em causa o acto<br />

poético: “para que diabo serve ser poeta” (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:54). Essa falência é provada, no mesmo<br />

poema, pelo discurso parentético “(os santos são mais felizes!)”.<br />

146 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>

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