José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
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pelos pedi<strong>do</strong>s que lhe dirige, mas a resposta desta fica aquém <strong>do</strong>s seus desejos,<br />
revelan<strong>do</strong>-se ineficaz. Daí o tom desencanta<strong>do</strong> que atravessa o poema, patente na já<br />
referida forma de conjuntivo. Porém, a poesia não pode ter amarras e pressupõe a<br />
existência de uma vontade poética transfigura<strong>do</strong>ra <strong>–</strong> e nesta estará o seu poder: ver nas<br />
roseiras “nuvens e bandeiras” (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:314) ou surrealisticamente transformar<br />
(recomeçar como nova Primavera) o mun<strong>do</strong> pelo olhar azul da paz:<br />
E se, de repente,<br />
voassem <strong>do</strong>s teus olhos<br />
duas pombas azuis?<br />
Então sim, poeta,<br />
cairia pela primeira vez no mun<strong>do</strong><br />
o espanto da primavera completa. (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:318)<br />
Esta introdução <strong>do</strong> irreal pode fazer apelo a uma limitação da poesia, mostran<strong>do</strong><br />
que só poeticamente se pode vencer a adversidade. É que o musgo <strong>–</strong> metáfora da<br />
opressão / acomodação <strong>–</strong> é tão denso que apetece acusar como acontece no poema<br />
XVI da série Eléctrico (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:320), em tom de lamento: lamento <strong>do</strong>s seus<br />
versos não poderem ir mais longe (cf. primeira estrofe); lamento <strong>do</strong>s receptores não<br />
terem capacidade de ler mais (cf. segunda estrofe).<br />
É um mun<strong>do</strong> de silêncio que envolve o poeta e lhe provoca desalento, sentimento<br />
atesta<strong>do</strong> no poema XLI da série Eléctrico (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:334). Neste poema<br />
equacionam-se as limitações <strong>do</strong> acto poético, através <strong>do</strong> confronto entre duas poesias.<br />
Uma, chamar-lhe-emos a poesia possível e a outra, a desejada. A poesia possível é<br />
124 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>