José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
e pedir<br />
Abre-te agora na luz oculta desta boca<br />
que se purifica.<br />
Fala-me <strong>do</strong> Crime (…) (ibidem)<br />
Volta às flores, poeta,<br />
Volta à alegria <strong>do</strong>s punhais<br />
caí<strong>do</strong>s das rosas<br />
e <strong>do</strong>s gritos vãos.<br />
E aquece o sol<br />
com as tuas mãos. (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:154)<br />
Nesta sequência, ganha senti<strong>do</strong> o desafio irónico <strong>do</strong> poeta aos poetas no quarto<br />
andamento <strong>do</strong> poema LI da série Sala de Concertos (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:233): “Tomem-na<br />
[uma lua], poetas. / Uivem!”. É-lhes sugeri<strong>do</strong>, não que lhe cantem, como seria<br />
compreensível na Poesia, de tradição sentimental, romântica, mas que lhe uivem, o<br />
que, neste contexto, funciona como sinónimo de gritar. Numa interpelação que faz ao<br />
homem: “Ouve, homem que acendeste a primeira fogueira na floresta”, no poema<br />
XXV da série Elementos (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:264), o poeta estabelece um paralelismo entre<br />
essa atitude iniciática, determinante para o avanço da humanidade, e a atitude <strong>do</strong><br />
poeta que há-de “arrancar as faces da estrela com a crueldade da Poesia”. Aquele que<br />
foi capaz dessa atitude de iniciação <strong>–</strong> fazer fogo <strong>–</strong> foi predestina<strong>do</strong> para cometer esse<br />
acto. Por isso, o poeta, ser predestina<strong>do</strong>, também será capaz de fazer Poesia de cariz<br />
violento, como provam os termos “arrancar” e “crueldade”, que reenviam para a poesia<br />
150 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>