José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
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daquilo exigia esforço: a autenticidade interpretativa, o lirismo de que imbuíam cada<br />
segun<strong>do</strong> da sua actuação — nada daquilo podia ser trabalha<strong>do</strong>. Mas quem os via a<br />
ensaiar no estúdio percebia que a realidade era outra. Matavam-se a trabalhar. Os<br />
mesmos passos eram ensaia<strong>do</strong>s vezes sem conta., aquilo que no palco parecia<br />
espontânea inspiração de génio era fruto, afinal, de horas incontáveis a massacrar o<br />
corpo, a empurrar as capacidades até ao limite <strong>do</strong> exequível (2004:85).<br />
A metáfora de Frederico Lourenço, “Eram poetas. Cartógrafos da alma”, parece-nos<br />
estar em perfeita sintonia com o fazer poético de <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>. De facto, após o<br />
momento inicial em que é toca<strong>do</strong> pela Poesia, os seus textos poéticos foram<br />
insistentemente trabalha<strong>do</strong>s:<br />
Os poemas (…) não tinham <strong>do</strong>rmi<strong>do</strong> na paz poeirenta na gaveta das palavras mortas.<br />
Volta e meia ia mexer-lhes para verificar se respiravam. E depois juntar-lhes sucessivas<br />
estratificações de sombras, imagens e imprevistos, no constante esforço de conservar a<br />
verdade viva e atenta. (<strong>Ferreira</strong>, 1980:121).<br />
Esta circunstância acentua a convicção, que partilhamos com Mário Dionísio, de<br />
que “nada é gratuito nesta poesia excepcional, nada indiferente, nada enfeite ou só<br />
efeito” (Dionísio, 1990:31). A comprovação dessa crença passa, <strong>do</strong> nosso ponto de<br />
vista, por uma análise <strong>do</strong> seu poema único 48 Viagem <strong>do</strong> Século XX em Mim 49 , à qual<br />
procederemos no terceiro capítulo deste trabalho.<br />
48 Maria Lúcia Lepecki faz a seguinte afirmação a este propósito: “O mais interessante é que não apenas<br />
se mantém a impressão de que Poeta Militante I é um «poema único» como, ainda por cima, fui levada<br />
Universo da Criação <strong>Poética</strong> 63<br />
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