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José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...

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Quanto a mim, que sou, confesso-o, bastante mais atento à formação ou fabricação<br />

das obras <strong>do</strong> que às próprias obras (…) vejo [no poeta] construir-se um agente, um<br />

sistema vivo produtor de versos (1995:74).<br />

Estes proclamavam a primazia <strong>do</strong> labor ou trabalho sobre materiais, recuperan<strong>do</strong>,<br />

dessa forma, para a poesia a ideia <strong>do</strong> fazer-poiein. Na leitura que faz da <strong>Poética</strong> de<br />

Aristóteles, Dolezel mostra que aquele entende a poesia como arte [technè], “cujo<br />

princípio reside no produtor e não na coisa produzida” (Dolezel, 1990: 30).<br />

Historicamente, houve uma deslocação da centralidade, no mun<strong>do</strong> poético, <strong>do</strong><br />

conceito de inspiração para o conceito de construção. Mas tal não significa que se<br />

tenha perdi<strong>do</strong> a identidade de cada um deles ou que um <strong>do</strong>s pólos se tenha anula<strong>do</strong>.<br />

Paul Valéry conta um episódio, vivi<strong>do</strong> por si, em que ilustra as diferenças entre os <strong>do</strong>is<br />

conceitos, sem privilegiar nenhum deles:<br />

(…) o esta<strong>do</strong> ou a emoção poética, mesmo cria<strong>do</strong>ra e original e a produção de uma<br />

obra.(…) Fui repentinamente toma<strong>do</strong> por um ritmo (…) como se alguém se servisse da<br />

minha função de viver. Surgiu então um outro ritmo a combinar-se com o primeiro; (…)<br />

isto combinava o movimento das minha pernas com já não sei que canto que<br />

murmurava, ou antes, que se murmurava através de mim. (…) Ao cabo de uma vintena<br />

de minutos o prestígio desvaneceu-se bruscamente, (…) porque vos contei eu isto? Para<br />

pôr em evidência, a diferença profunda que existe entre a produção espontânea da<br />

nossa sensibilidade <strong>–</strong> e a fabricação das obras (Valéry, 1995:67).<br />

Também <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong> está atento à voz que “só os poetas ouvem” (<strong>Ferreira</strong>,<br />

1990a:47), revelan<strong>do</strong>-se um poeta escuta<strong>do</strong>r e realizan<strong>do</strong> a concepção clássica <strong>do</strong> poeta<br />

como medium, que ouve a voz e a interpreta para a dar ao mun<strong>do</strong>, através da palavra:<br />

Universo da Criação <strong>Poética</strong> 59

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