José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
acaba por dizer que não pode ficar preso às palavras desligadas <strong>do</strong> compromisso. Não<br />
obstante, também seria redutor ficar preso ao compromisso, porque há uma outra<br />
esfera, outra identidade <strong>–</strong> a que resulta da criação poética. Daí que o poema não seja<br />
só, como se lê nos anteriores, o que aponta para o real, mas também aquele que<br />
aponta para algo além desse real. “As flores, a lua, o sol, as estrelas, o vento” são<br />
palavras luminosas, mas têm o seu la<strong>do</strong> negro pois “existem em carne e <strong>do</strong>r”, “não são<br />
palavras apenas para tecer poemas”. Ao falar da palavra, o eu poético evoca o senti<strong>do</strong><br />
primitivo da palavra texto (teci<strong>do</strong>) e mostra que as palavras podem criar uma realidade<br />
<strong>–</strong> a poética <strong>–</strong> “as palavras criam (…) a luz verdadeira” 117 .<br />
Afinal, o sujeito poético crê no poder da poesia <strong>–</strong> ou <strong>do</strong> poema (bicho / insecto que<br />
sussurra), como ele a define, em tensão visto que revela e oculta simultaneamente:<br />
117 Esta capacidade é reconhecida por:<br />
Octavio Paz<br />
“(…) la operación poética es inseparable de la palabra. Poetizar consiste, en primer término, en<br />
nombrar. La palabra distingue la actividad poética de cualquier otra. Poetizar es crear con palabras:<br />
hacer poemas. Lo poético no es algo da<strong>do</strong>, que esté en el hombre desde su nacimiento, sino algo que<br />
el hombre hace y que, recíprocamente, hace al hombre. Lo poético es una posibilidad, no una<br />
categoría a priori ni una facultad innata. Pero es una posibilidad que nosotros mismos nos creamos.<br />
Al nombrar, al crear con palabras, creamos eso mismo que nombramos y que antes no existía sino<br />
como amenaza, vacío y caos” (1992:167).<br />
e Eduar<strong>do</strong> Lourenço<br />
“Que linguagem pode servir à nomeação da realidade que somos senão aquela que perante<br />
Antonomásia já nos é devolvida como suprema criação? É poeticamente que habitamos o mun<strong>do</strong> ou<br />
não o habitamos” (2003:35).<br />
128 <strong>José</strong> <strong>Gomes</strong> <strong>Ferreira</strong>: a <strong>Poética</strong> <strong>do</strong> <strong>Canto</strong> e <strong>do</strong> <strong>Grito</strong>