José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...
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O poeta é aquele que leva o facho arranca<strong>do</strong> das trevas, aquele que, apesar de todas<br />
as restrições, desenvolve um processo que lhe permite ver mais <strong>do</strong> que os outros 110 .<br />
Porque vê mais e ousa dizer mais, o poeta pode emprestar a sua voz aos que o<br />
“chamam da Margem da Voz Rouca” (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:339). Quem? Aqueles que muito<br />
gritaram? (mas ainda querem continuar a gritar e isso provoca prazer no poeta <strong>–</strong> haver<br />
alguém que queira ouvir a sua voz) Aquela voz que sempre o tem procura<strong>do</strong>? Os que<br />
não têm voz e precisam da cumplicidade <strong>do</strong> poeta?<br />
Mas o poeta, ainda que atento ao chamamento, continua deambulan<strong>do</strong>, como<br />
enuncia no poema I da série Ruas Desertas: “ versos feitos aos tombos, por essas ruas a<br />
andar, a andar, a andar” (<strong>Ferreira</strong>, 1991a:83), o que evidencia uma arte de fazer poesia<br />
que apela à deambulação 111 :<br />
no desejo de persistir através de tu<strong>do</strong> tornei-me em poeta de intervalos, teimoso,<br />
improvisa<strong>do</strong>r, infatigável, «oculto na simulação de escutar os amigos sem os ouvir e<br />
disfarça<strong>do</strong> de atento por fora para moer nuvens à minha vontade. Poeta em casa, na<br />
cama, no quarto de banho, nos empregos, nos cafés, nos concertos, nos sarilhos <strong>do</strong><br />
110<br />
Ramos Rosa mostra a importância de se transportar o facho: “ o fenómeno a que se dá o nome de<br />
inspiração (…) é ilumina<strong>do</strong> pelo facho da intuição cria<strong>do</strong>ra. É entre as trevas deste mun<strong>do</strong> préconsciente<br />
e a luz da intuição cria<strong>do</strong>ra que se desenrola o processus poético (1962:30).<br />
111<br />
Maria Alzira Seixo afirma que [os acontecimentos circunstanciais são] “encara<strong>do</strong>s como trajectos<br />
mentais de busca da palavra irmanada à actividade física da deambulação humana” (2001:337). Esta<br />
(tríplice) aliança <strong>–</strong> facto / deambulação, fulgor (faísca) e palavra consequente encontra-se no poema<br />
III (que já tinha pertenci<strong>do</strong> a um exemplar especial de Poesia I com o título de Arte <strong>Poética</strong> e foi<br />
recupera<strong>do</strong> para a colectânea <strong>do</strong> Poeta Militante): “Uma sombra risca / a pedra de um facto. E salta<br />
Para a definição / construção <strong>do</strong> Poeta Militante 115<br />
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