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José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...

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Resta-lhe, talvez, gritar para acordar os a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s ou, pelo menos, fugir ao<br />

a<strong>do</strong>rmecimento de “ser nada”: “Poeta: salta (…) chora” (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:203). Mais<br />

uma vez, o poeta é incentiva<strong>do</strong> à acção, combinan<strong>do</strong> a actividade de saltar com a<br />

representação da <strong>do</strong>r <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (chorar). Estas atitudes aparecem na epígrafe <strong>do</strong><br />

poema já que no corpo aparece uma definição de poeta, “poeta é ser nada”, de cariz<br />

não injuntivo. Esta confissão prova a falência da atitude poética corroborada pelo<br />

“labirinto sem porta de entrada”.<br />

Os poetas continuam a ser, apesar de tu<strong>do</strong>, considera<strong>do</strong>s seres especiais, senhores<br />

de atitude surreais: “que o poeta que nunca falou sozinho pelas ruas se levante e me<br />

atire a primeira estrela” (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:217). Enquanto os homens atiram pedras, os<br />

poetas atiram estrelas. Esse poder extraordinário permite que o poeta seja incentiva<strong>do</strong><br />

a cantar: “canta, canta o que não entendes” (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:222). O acto de cantar<br />

conduz o poeta, no poema III da série Pessoais (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:230), a dirijir-se ao<br />

poeta romântico, que pode ser ele próprio “ (polémica, talvez comigo mesmo)” e a<br />

acusá-lo de deitar fogo aos problemas, para fugir da Terra, e a contrapor o destino que<br />

quer cumprir: “ser homem (…) andar na rua (…) para que to<strong>do</strong>s possam ver (…) a <strong>do</strong>r<br />

comum finalmente revelada”. Na parte final, o poeta confirma a sua aliança com<br />

aqueles que sofrem: “só enten<strong>do</strong> os homens quan<strong>do</strong> choram lágrimas de terra”.<br />

Acção? Conformismo? Revolta calada ou “silêncio insurrecto”? Como definir-se? No<br />

poema XXII da série Sonâmbulo (<strong>Ferreira</strong>, 1990a:283), o poeta prossegue no labirinto<br />

de encruzilhadas que ele conhece, mas cuja saída parece recusar. Habitante solitário da<br />

“ [sua] ilha de sombra” <strong>–</strong> dada a sua condição de poeta <strong>–</strong> sente-se obriga<strong>do</strong> a silenciar o<br />

grito. Daí o seu discurso injuntivo a reprimir / conter o ódio: “continua a arrastar a<br />

solidão (…) mas resiste a mostrar as cicatrizes (…) afoga nos olhos a ternura das fontes<br />

Para a definição / construção <strong>do</strong> Poeta Militante 145

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