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José Gomes Ferreira – A Poética do Canto e do Grito - Repositório ...

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situan<strong>do</strong>-o num espaço marítimo, como prova o deíctico espacial “aqui”, expandi<strong>do</strong><br />

por “ nas tempestades <strong>do</strong> Mar da Mancha”. Esta explicitação anuncia, desde já, uma<br />

poesia combativa e violenta, fruto <strong>do</strong> meio em que surgiu, e ainda uma poesia à<br />

procura da sua voz, pois encontra-se “ perdida no alarme/<strong>do</strong> labirinto de palavras<br />

cegas”. Esta poesia detentora de uma forte relação de intimidade com o eu, certificada<br />

pelo deíctico pessoal “tu”, há muito era esperada: “finalmente vieste”. Veio <strong>do</strong> mar <strong>–</strong><br />

que é símbolo da dinâmica da vida e lugar de renascimento 38 <strong>–</strong> e das bocas,<br />

identificadas com a abertura por onde passam o sopro, a palavra e o alimento 39 . E<br />

assim se completa este renascimento, com a implicação <strong>do</strong> mar, fonte da poesia, e da<br />

boca, o seu canal da transmissão, metonimicamente representativa da palavra.<br />

No segun<strong>do</strong> momento <strong>do</strong> poema, o sujeito poético retoma o tempo presente,<br />

aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> a recordação <strong>do</strong> momento mágico, e suplica à Poesia para que o visite<br />

de novo, servin<strong>do</strong>-se da reiteração da forma imperativa “vem”, associada ao verbo<br />

“procurar”, que confirma a ideia <strong>do</strong> poeta escolhi<strong>do</strong>, daquele que<br />

vive a sua exigência de plenitude como um retorno à origem, a esse momento mítico<br />

em que a linguagem se diluía na realidade das coisas e não era apenas o sinal <strong>do</strong> que<br />

nos separa delas. Momento utópico: mas a literatura é a linguagem como utopia. A<br />

palavra poética é sempre palavra original (mas ferida dessa morte onde o senti<strong>do</strong> se<br />

38 “Águas em movimento, o mar simboliza um esta<strong>do</strong> transitório entre as possibilidades ainda<br />

informais e as realidades formais” (Chevalier, 111:439).<br />

39<br />

A boca é o símbolo <strong>do</strong> poder cria<strong>do</strong>r e, muito particularmente, da insuflação da alma. “Órgão da<br />

palavra (verbum, logos) e <strong>do</strong> sopro (spiritus), simboliza também um grau eleva<strong>do</strong> de consciência,<br />

uma capacidade organiza<strong>do</strong>ra através da razão” (ibidem:122).<br />

Universo da Criação <strong>Poética</strong> 45

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