Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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interrompa.<br />
A inglesa obedeceu e saiu. A careta que fez ao sair ninguém lha<br />
pôde ver, e não se perdeu na<strong>da</strong>. 237<br />
103<br />
Tal atitude <strong>da</strong> baronesa – criar e nutrir um laço particular com Mrs.<br />
Oswald ao mesmo tempo em que mantém distância na presença de outros –<br />
revela a maneira como se serve a classe dominante <strong>da</strong> classe domina<strong>da</strong> – ora<br />
com afeição, ora com distanciamento, dependendo do momento ou do assunto<br />
tratado. Mas sempre o que vale é a vontade de quem está acima. Nesse caso, a<br />
vontade <strong>da</strong> senhora 238 . Segundo Schwarz, o leque dos destinos disponíveis, de<br />
amplitude vertiginosa e catastrófica para a parte pobre, é, para a parte<br />
proprietária, o campo <strong>da</strong>s opções ofereci<strong>da</strong>s ao exercício do capricho 239 .<br />
Porém, Mrs. Oswald se diferencia <strong>da</strong> cama<strong>da</strong> pobre brasileira <strong>da</strong> Corte.<br />
Ela é uma <strong>da</strong>ma de companhia inglesa 240 , que apesar de ser uma serviçal,<br />
possui educação refina<strong>da</strong>, lê Walter Scott, Milton e sabe se comportar com uma<br />
<strong>da</strong>ma. Se os escravos foram, por séculos, os responsáveis pelos serviços<br />
domésticos nas proprie<strong>da</strong>des, a presença de uma governanta inglesa, portanto<br />
estrangeira e culta, indicava, ao lado do status que imprimia à casa que a<br />
contratava, o próprio anseio <strong>da</strong> classe dominante local em se modernizar, diante<br />
do atraso representado pela escravidão, o que explica a presença de serviçais<br />
estrangeiras nas grandes mansões onde, muitas vezes, funcionavam como<br />
adorno para explicitar a distinção social dos seus patrões:<br />
Interrompeu-as uma mulher de quarenta e quatro a quarenta e<br />
cinco anos, alta e magra, cabelo entre louro e branco, olhos azuis,<br />
assea<strong>da</strong>mente vesti<strong>da</strong>, a Sra. Oswald, – ou mais britanicamente,<br />
Mrs. Oswald, – <strong>da</strong>ma de companhia <strong>da</strong> baronesa, desde alguns<br />
237<br />
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 89.<br />
238<br />
Para essa questão de determinar a consideração de um indivíduo de classe dominante por<br />
aquele que está em seu domínio, veja-se este pequeno trecho de Schwarz: “Faltando<br />
fun<strong>da</strong>mento prático à autonomia do indivíduo sem meios – em conseqüência <strong>da</strong> escravidão o<br />
mercado de trabalho é incipiente –, o valor <strong>da</strong> pessoa depende do reconhecimento arbitrário (e<br />
humilhante, em caso de vaivém) de algum proprietário‖. (SCHWARZ, Roberto. Um mestre na<br />
periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4ª ed. São Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 87).<br />
239<br />
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4ª ed. São<br />
Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 89.<br />
240<br />
Uma mulher que permanecesse solteira ou enviuvasse, se não tivesse pais, teria como única<br />
alternativa, se tivesse irmão/irmã, viver em sua casa, como hóspede permanente e indesejado.<br />
Algumas tinham que se manter e, então, as dificul<strong>da</strong>des apareciam. A única ocupação paga<br />
aberta a essas senhoras era a de governanta, em condições despreza<strong>da</strong>s e com salários<br />
miseráveis. Disponível em: .<br />
Acesso em 01 de setembro de 2008.