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Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC

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É preciso dizer que to<strong>da</strong> trajetória de Lúcia é conta<strong>da</strong> por Paulo, narrador<br />

do livro, companheiro de seus últimos momentos e o único a fornecer <strong>da</strong>dos<br />

sobre a moça. Paulo procura assegurar a veraci<strong>da</strong>de dos fatos narrados: “eu<br />

podia tornar mais interessantes, se as quisesse dramatizar com sacrifício <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong>de; porém mentiria às minhas recor<strong>da</strong>ções e à promessa que lhe fiz de<br />

exumar do meu coração a imagem de uma mulher” 196 . É através do quadro que<br />

dela gradualmente pinta que o leitor tenta decifrar seu caráter, sua história de<br />

vi<strong>da</strong>, seus conflitos e suas atitudes que muitas vezes parecem contraditórias. Um<br />

exemplo pertinente é o episódio <strong>da</strong> discussão sobre o romance de Dumas:<br />

Chegando uma tarde vi Lúcia assustar-se e esconder sob as<br />

amplas dobras do vestido um objeto que me pareceu um livro.<br />

– Estava lendo?<br />

– Não, estava esperando-o.<br />

– Quero ver que livro era.<br />

Meio à força e meio rindo consegui tomar o livro depois de uma<br />

fraca resistência. Ela ficou enfa<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Era um livro muito conhecido – A Dama <strong>da</strong>s Camélias. Ergui os<br />

olhos para Lúcia interrogando a expressão de seu rosto. Muitas<br />

vezes lê-se não por hábito e distração, mas pela influência de uma<br />

simpatia moral que nos faz procurar um confidente de nossos<br />

sentimentos, até nas páginas mu<strong>da</strong>s de um escritor. Lúcia teria,<br />

como Margari<strong>da</strong>, a aspiração vaga para o amor? Sonharia com as<br />

afeições puras do coração? 197<br />

Paulo, mesmo tendo conhecimento prévio de que se tratava de A Dama<br />

<strong>da</strong>s Camélias, é incapaz de decifrar o comportamento desiludido de Lúcia em<br />

relação ao romance infeliz de Armando e Margari<strong>da</strong>. Ele parece não perceber o<br />

quão pareci<strong>da</strong>s são suas histórias e como Lúcia, ao se comparar à cortesã<br />

francesa, tem ciência de que, assim como a outra, não poderá esperar um final<br />

feliz junto ao homem que ama.<br />

Além de questionar a todo momento os reais sentimentos <strong>da</strong> jovem, Paulo<br />

põe em dúvi<strong>da</strong> inúmeras vezes sua fideli<strong>da</strong>de. O rapaz, muito mais pelo<br />

sentimento de proprie<strong>da</strong>de do que por amor, tira conclusões precipita<strong>da</strong>s,<br />

acusando-a ferrenhamente para logo a seguir se desmanchar em desculpas –<br />

arrependido do seu julgamento apressado. É nesse jogo de acusações e<br />

dependência que a paixão de ambos toma rumos diferentes. Ela entra num<br />

196 ALENCAR, José de. Lucíola: um perfil de mulher. 7ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos,<br />

[s/d], p. 136.<br />

197 Idem, p. 130.<br />

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