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Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC

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Nas palavras de Franco, há nos laços entre padrinho e afilhado um<br />

componente de dominação 271 . É o que se observa no romance, a partir <strong>da</strong> morte<br />

<strong>da</strong> mãe de Guiomar: o que prevalece são as decisões <strong>da</strong> madrinha. É ela quem<br />

escolhe qual colégio a afilha<strong>da</strong> deve freqüentar, por quanto tempo e quando esta<br />

deve deixar os estudos. Nessa fase de relacionamento até então o sentimento <strong>da</strong><br />

baronesa era apenas de apadrinhamento. Com a per<strong>da</strong> de sua única filha, que<br />

representa, além <strong>da</strong> per<strong>da</strong> do ente querido, a descontinuação de um ramo<br />

familiar, legitima, com o “encaixe” perfeito <strong>da</strong> afilha<strong>da</strong> no espaço deixado, a<br />

dominação:<br />

114<br />

Nas suas origens, o batismo estabelece ritualmente um<br />

parentesco divino e isto entre seres que se reconhecem, também<br />

originalmente, como <strong>da</strong> mesma ordem natural, como pessoas.<br />

Reproduz as obrigações entre pais e filhos, essa ambivalente<br />

relação de poder e sujeição estabeleci<strong>da</strong> entre indivíduos que não<br />

se vêem como essencialmente diferentes, mas como<br />

potencialmente iguais. É certo que os compromissos entre<br />

padrinhos e afilhado eram nuançados na medi<strong>da</strong> em que também<br />

se matizavam as diferenças de posição social: no mesmo nível, a<br />

observância dos deveres tendia a ser mais rigorosa. No entanto, o<br />

respeito pelas promessas troca<strong>da</strong>s, em que pese a diversi<strong>da</strong>de de<br />

posições sociais, era requisito mínimo de sua própria eficácia<br />

como técnica de dominação. 272<br />

Quando passa de simples afilha<strong>da</strong> à condição de filha <strong>da</strong> baronesa, de<br />

certa forma Guiomar se reconhece como “sendo <strong>da</strong> mesma ordem natural” <strong>da</strong> sua<br />

madrinha. Ou seja, ao optar por adotar Guiomar, a baronesa encurta a diferença<br />

social entre ambas. Tal gesto, recorrendo novamente a Schwarz, faz com que a<br />

moça escape por um triz de ser inferior e mercenária 273 – adjetivos que esta<br />

mesma impõe a sua desafeta Mrs. Oswald.<br />

Apesar de nenhuma personagem feminina transgredir abertamente os<br />

limites sociais que lhe são impostos, Machado dotou Guiomar de quali<strong>da</strong>des<br />

como orgulho, inteligência, discernimento e ambição – quali<strong>da</strong>des que funcionam<br />

como ferramentas mais do que necessárias em sua escala<strong>da</strong> social. Todos os<br />

seus movimentos são no sentido de eliminar possíveis obstáculos, manter o que<br />

271<br />

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4ª ed. São Paulo:<br />

Fun<strong>da</strong>ção Editora <strong>da</strong> UNESP, 1997, p. 85.<br />

272<br />

Idem, p. 86.<br />

273<br />

SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas: forma literária e processo social nos inícios do<br />

romance brasileiro. São Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 114.

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