Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
casa” e, como vimos também, pessoa de total confiança <strong>da</strong> patroa. Do outro lado<br />
temos Guiomar, a órfã de origem humilde, que, num golpe de sorte, cai nas<br />
graças de sua madrinha e tem nessa afeição a oportuni<strong>da</strong>de de ascender<br />
socialmente. Ambas convivem com/na alta socie<strong>da</strong>de, porém não pertencem a ela<br />
por nascença.<br />
Guiomar e Mrs. Oswald, apesar de já gozarem de prestígio ao usufruírem<br />
<strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> baronesa e esta lhes dedicar grande apreço – ain<strong>da</strong> que em<br />
diferente grau de importância – travam entre si uma espécie de luta particular,<br />
como que para delimitar posições já conquista<strong>da</strong>s e até mesmo, se possível,<br />
ampliá-las. Para Guiomar, o que supõe ter já lhe basta para lhe conferir certa<br />
consciência de superiori<strong>da</strong>de, mas para Mrs. Oswald, com uma boa estratégia<br />
talvez fosse possível que “se criassem cargos para ela” ou “podia contar com um<br />
lugar de embaixatriz 248 .<br />
Guiomar também sente na pele, ain<strong>da</strong> que por breve momento, a<br />
reali<strong>da</strong>de de sua origem e seus deveres como protegi<strong>da</strong>. Quando Mrs. Oswald<br />
age como cupido na intenção de uni-la a Jorge, acaba por deixar entender para a<br />
moça que assim seria o desejo de sua madrinha e que na<strong>da</strong> mais lhe <strong>da</strong>ria<br />
felici<strong>da</strong>de.<br />
106<br />
Essa revelação faz Guiomar experimentar uma sensação de que<br />
possivelmente havia chegado a hora de compensar sua benfeitora por tudo o<br />
que havia recebido até então 249 :<br />
Guiomar ficou só, ali senta<strong>da</strong> ao pé <strong>da</strong> cama, a ouvir o passo<br />
surdo e cauteloso <strong>da</strong> inglesa. Quando o som morreu de todo, e o<br />
silêncio <strong>da</strong> noite volveu ao que era, profundo e sepulcral, a moça<br />
deixou cair os braços na cama, e a cabeça nas mãos, e um<br />
suspiro desentranhou-se-lhe do peito, longo, ruidoso, magoado, –<br />
248 ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática,1977, p. 70.<br />
249 Na relação de favor pode-se dizer que tanto o benfeitor quanto o favorecido tinham consciência<br />
de seus direitos e deveres. Para exemplo ilustrativo, citamos um trecho de Schwarz: “Não há<br />
exagero portanto em afirmar que o favor pessoal, incluí<strong>da</strong> nele a parte inevitável e já então<br />
imperdoável de capricho, vem colocado em primeiro plano pela estrutura social do país ela<br />
própria. Foi natural que o emaranhado singular de humilhações e esperanças ligado a este<br />
quadro se tornasse matéria central no romance brasileiro, que em boa parte se pode estu<strong>da</strong>r<br />
como apresentação e aprofun<strong>da</strong>mento dos dilemas correspondentes. Seja como for, é na<br />
relação com esta forma específica de desvalimento que a volubili<strong>da</strong>de cobra relevo pleno,<br />
sendo percebi<strong>da</strong> e percebendo-se como poder social, que reserva ao outro, enquanto<br />
possibili<strong>da</strong>des reais, tanto a sorte grande <strong>da</strong> cooptação (aqui o casamento desigual), como a<br />
humilhação do dependente ou a indiferença moderna em face do conci<strong>da</strong>dão (que entretanto<br />
não é ci<strong>da</strong>dão deveras e não tem meios de sobreviver)‖. (SCHWARZ, Roberto. Um mestre na<br />
periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4ª ed. São Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 88).