Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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atos e escolhas 300 . Essa determinação sem culpa não sofre penali<strong>da</strong>de, ao<br />
contrário, ao final recebe suas compensações. Bem diferente de Lúcia, a heroína<br />
de Alencar de que tratamos no capítulo anterior. Esta vive uma vi<strong>da</strong> de<br />
autopunição por estar à margem de uma socie<strong>da</strong>de que ao mesmo tempo em que<br />
a renega, mantém seu ofício. A moça é cônscia de que jamais será aceita entre<br />
os “homens de bem” e encontra na morte sua redenção. Dessa forma, Alencar,<br />
ain<strong>da</strong> que com tom leve, teça crítica à socie<strong>da</strong>de, dá um fim esperado à<br />
“pecadora”.<br />
Schwarz defende que contra as idéias sem pé na terra, e além do mais<br />
estrangeiras, e contra o tradicionalismo cego, Machado defende o interesse bem<br />
compreendido <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira: é preciso promover uma gente moderna,<br />
com iniciativa, dura se necessário, para constituir família segundo princípios<br />
positivos, <strong>da</strong> conveniência dos ricos e dos pobres mais dotados 301 . No caso<br />
especificamente desse romance, esses “princípios positivos” a que Schwarz se<br />
refere são perceptíveis nas relações construí<strong>da</strong>s: o modo como Guiomar<br />
aproveita a oportuni<strong>da</strong>de de deixar de ser uma simples órfã para ganhar todo<br />
amor e consideração de uma segun<strong>da</strong> mãe abasta<strong>da</strong>; o seu desejo ardente de<br />
luzimento social direcionando a ele todos os seus passos; a escolha pelo<br />
pretendente com objetivos “maiores” e personali<strong>da</strong>de similar a sua, to<strong>da</strong>s essas<br />
ações não interferem na ordem pré-estabeleci<strong>da</strong>. Ou seja, estas ações não estão<br />
descomprometi<strong>da</strong>s com o sistema 302 .<br />
Continuando nas palavras de Schwarz, o paternalismo é sutil, complexo,<br />
flexível, não é atrasado, as novas formas de proprie<strong>da</strong>de não são imorais, e as<br />
duas esferas não se chocam, antes se completam, irmana<strong>da</strong>s que estão no<br />
300 Ver Schwarz em Pressupostos, salvo engano, de “Dialética <strong>da</strong> Malandragem” onde diz: “que a<br />
fórmula <strong>da</strong> dialética de ordem e desordem – resume a regra de vi<strong>da</strong> de um setor capital <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de brasileira: o dos homens-livres que, não sendo escravos nem senhores, viviam num<br />
espaço social intermediário e anômico, em que não era possível prescindir <strong>da</strong> ordem nem viver<br />
dentro dela‖. (SCHWARZ, Roberto. Pressupostos, salvo engano, de “Dialética <strong>da</strong><br />
Malandragem”. In: Que horas são? São Paulo. Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1997, p. 138).<br />
301 SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas: forma literária e processo social nos inícios do<br />
romance brasileiro. São Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 98.<br />
302 Para esse assunto, veja-se este trecho FAORO: “Se o bem e o mal não têm voz na parti<strong>da</strong>, há,<br />
no alto, a falsa e a ver<strong>da</strong>deira grandeza. Há a integração na cama<strong>da</strong> superior, com o cunho de<br />
autentici<strong>da</strong>de, amol<strong>da</strong>do o homem aos valores que o absorvem. Tudo acontece quietamente,<br />
como se na<strong>da</strong> houvesse de estranho ou anormal, em obediência ao velho costume e aos usos<br />
consagrados. A elite circula, fechando os claros em suas fileiras, para continuar o domínio‖.<br />
(FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 4ª ed. São Paulo: Globo,<br />
2001, p.19).<br />
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