Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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volume de escravos deu à Corte as características de uma ci<strong>da</strong>de quase negra e<br />
– na seqüência do boom do tráfico negreiro nos anos 1840 – de uma ci<strong>da</strong>de meio<br />
africana 46 . Quando a família real aqui aportou, metade <strong>da</strong> população do Rio de<br />
Janeiro era composta de escravos.<br />
Estando, assim, diferentes crenças e costumes sob o domínio de um<br />
mesmo governo, de uma mesma religião e de um mesmo ideal, não seria de se<br />
estranhar que houvesse um contraste entre aquilo que se pretendia com aquilo<br />
que era possível. A população do país estaria longe de ser um modelo de<br />
socie<strong>da</strong>de civiliza<strong>da</strong> como desejava o Imperador e sua elite imperial, e mais<br />
distante ain<strong>da</strong> de uma Corte que espelhasse o modelo europeu como desejavam<br />
os novos-nobres, apesar do grande esforço empregado, fortunas gastas numa<br />
intensa vi<strong>da</strong> social, distinta e luxuosa. Pinho 47 observa que, mesmo distante <strong>da</strong><br />
Corte imperial, esse comportamento viria a se repetir nos vários centros urbanos<br />
do país, como é o caso <strong>da</strong> província <strong>da</strong> Bahia, onde a gente elegante imitava no<br />
seu desembaraço, no gosto pelas festas, no desenvolvimento <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de, na<br />
quebra dos velhos moldes de retraimento <strong>da</strong>s senhoras, a Corte e a Europa.<br />
Entretanto, para Alencastro 48 , efetivamente, no regime monárquico forjou-<br />
se no Rio de Janeiro – capital política, econômica e cultural do país – um padrão<br />
de comportamento que mol<strong>da</strong> o país pelo século XIX e o século XX adentro. Seria<br />
justamente no Rio de Janeiro, centro irradiador <strong>da</strong>s “boas maneiras”, que se <strong>da</strong>ria<br />
o contraste entre o grande número de escravos e as pretensões civilizadoras <strong>da</strong><br />
Corte, comprometendo a imagem <strong>da</strong> Coroa, orgulhosa de seu estatuto de única<br />
representante <strong>da</strong> monarquia européia na América. Esse contraste, observado e<br />
rechaçado por europeus 49 que por aqui aportavam e viam à sua frente uma nação<br />
46 ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org). Vi<strong>da</strong> Priva<strong>da</strong> e ordem priva<strong>da</strong> no Império. In: História <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> no Brasil – Império: a corte e a moderni<strong>da</strong>de nacional. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s<br />
Letras, 1997, p. 25.<br />
47 PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. São Paulo: Livraria Martins, 1942.<br />
48 ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). Vi<strong>da</strong> Priva<strong>da</strong> e ordem priva<strong>da</strong> no Império. In: História <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> no Brasil – Império: a corte e a moderni<strong>da</strong>de nacional. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s<br />
Letras, 1997.<br />
49 A mistura de etnia costumava horrorizar os europeus que, na época, influenciados pelas teorias<br />
raciais, viam na miscigenação uma ameaça de degeneração. Conforme Castro: “A plurali<strong>da</strong>de<br />
étnica dos brasileiros impressionava os estrangeiros que, desde 1808, se avolumavam como<br />
viajantes, naturalistas ou comerciantes pelo país. Apesar disso, para além do espanto dos<br />
viajantes, são raros os registros dessa convivência interétnica do século passado fora <strong>da</strong><br />
clássica relação senhor-escravo‖.( CASTRO, Hebe M. Mattos de. Laços de família e direitos no<br />
final <strong>da</strong> escravidão. História <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> no Brasil – Império: a corte e a moderni<strong>da</strong>de<br />
nacional. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1997, p. 341).<br />
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