Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Na ausência de uma fronteira racial absoluta entre escravidão e<br />
liber<strong>da</strong>de, os fatos jurídicos, que conformavam a condição livre ou<br />
cativa, decorriam de relações costumeiras, as quais eram sempre<br />
tributárias <strong>da</strong>s relações de poder pessoal e de seu equilíbrio. Para<br />
que um descendente de africano fosse escravo ou livre era<br />
preciso que ele assim se reconhecesse e fosse reconhecido como<br />
tal. 64<br />
A socie<strong>da</strong>de do Império dividia-se basicamente em três classes: a dos<br />
senhores-de-escravos, homens-livres/dependentes (brancos sem posses e ex-<br />
escravos) e escravos. A relação entre senhores-de-escravos e escravos é bem<br />
defini<strong>da</strong> 65 . É a classe de homens-livres/dependentes, ou classe intermediária<br />
(classe intermediária porque se posicionava entre a classe de senhores-de-<br />
escravos e escravos) que passa a ter variáveis posições na nova socie<strong>da</strong>de que<br />
se formava devido às mu<strong>da</strong>nças já menciona<strong>da</strong>s em páginas anteriores. Abrangia<br />
desde pessoas liga<strong>da</strong>s ao pequeno comércio, ativi<strong>da</strong>des burocráticas,<br />
jornalísticas, literárias e políticas, a indivíduos sem nenhuma posse, que não eram<br />
“nem proprietários, nem proletários” 66 , vivendo “soltos na socie<strong>da</strong>de” 67 .<br />
Como muitas tarefas eram delega<strong>da</strong>s aos escravos (as tarefas<br />
domésticas e as ven<strong>da</strong>s por ambulantes, por exemplo), não sobravam muitas<br />
opções para que esses indivíduos livres e pobres pudessem se manter e viver<br />
dignamente, tanto no campo como na ci<strong>da</strong>de.<br />
Para aquele com sorte, um apadrinhamento ou um casamento bem<br />
arranjado poderia significar a chance de melhorar sua condição de vi<strong>da</strong> e<br />
ascender socialmente. Porém, como a sorte não estava disponível para todos,<br />
uma <strong>da</strong>s alternativas possíveis para sobreviver, numa socie<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais<br />
consumista, seria depender do favor de alguém com melhores condições. Essa<br />
relação de favor criava, de certa forma, uma rede de dependência, onde aquele<br />
que cedia o favor, mantinha sob o seu domínio o favorecido.<br />
Vale ressaltar que essa relação de favor não se <strong>da</strong>va exclusivamente<br />
entre esses homens destituídos de posses, mas funcionava como mediação<br />
64 CASTRO, Hebe M. Mattos de. Laços de família e direitos no final <strong>da</strong> escravidão. In: História <strong>da</strong><br />
Vi<strong>da</strong> Priva<strong>da</strong> no Brasil – Império: a corte e a moderni<strong>da</strong>de nacional. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s<br />
Letras, 1997, p. 343.<br />
65 SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas: forma literária e processo social nos inícios do<br />
romance brasileiro. São Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000.<br />
66 Idem.<br />
67 Idem.<br />
32