Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
104<br />
anos. Mrs. Oswald conhecera a baronesa em 1846; viúva e sem<br />
família, aceitou as propostas que esta lhe fez. Era mulher<br />
inteligente e sagaz, dota<strong>da</strong> de boa índole e serviçal. Antes <strong>da</strong> i<strong>da</strong><br />
de Guiomar para a companhia <strong>da</strong> madrinha, era Mrs. Oswald a<br />
alma <strong>da</strong> casa; a presença de Guiomar, que a baronesa amava<br />
extremosamente, alterou um pouco a situação. 241<br />
A estima recebi<strong>da</strong> até então pela sua patroa, alia<strong>da</strong> a sua formação<br />
superior em comparação com os empregados <strong>da</strong> época, talvez expliquem sua<br />
relutância em aceitar o tratamento adequado para sua função. Quando a<br />
baronesa chama sua afilha<strong>da</strong> para uma conversa particular, Mrs. Oswald se sente<br />
naturalmente incluí<strong>da</strong> no assunto, como se fizesse parte do problema tratado.<br />
Mas, para a baronesa, “a afeição que lhe tinha não impediu que achasse<br />
demasia<strong>da</strong> familiari<strong>da</strong>de a presença de Mrs. Oswald em semelhante ocasião” 242 ,<br />
e ordena que a <strong>da</strong>ma de companhia se retire, deixando-as a sós. Uma ordem que<br />
causa profundo desagrado na serviçal: “A inglesa obedeceu e saiu. A careta que<br />
fez ao sair ninguém lha pôde ver, e não se perdeu na<strong>da</strong>” 243 .<br />
Ou seja, embora sua educação fosse superior, embora, além de sua<br />
função de governar a casa, fosse também a única confidente de sua patroa, a<br />
inglesa pertencia a uma cama<strong>da</strong> inferior. Portanto, deveria engolir seu orgulho e<br />
aceitar sua condição porque, segundo Schwarz, inadmissíveis são a digni<strong>da</strong>de e<br />
o direito dos pobres, que restringiriam o campo à arbitrarie<strong>da</strong>de dos homens de<br />
bem 244 . Enten<strong>da</strong>-se aqui que esses “homens de bem” seriam aqueles homens<br />
que pertenciam à classe dominante.<br />
Perdi<strong>da</strong> a batalha, a inglesa, consciente de que “tudo estava acabado; e<br />
talvez que a sua própria pessoa padecera naquele lance último” 245 , mu<strong>da</strong> o<br />
discurso:<br />
Na primeira ocasião que se lhe ofereceu, expandiu-se Jorge com<br />
Mrs. Oswald.<br />
– Perdeu-se tudo... murmurou ele,<br />
A inglesa não respondeu.<br />
Jorge continuou ain<strong>da</strong> a falar, e a inglesa a ouvir, mas a ouvir só,<br />
e a querer diverti-lo <strong>da</strong>quele assunto.<br />
241<br />
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 27.<br />
242<br />
Idem, p. 89.<br />
243<br />
Idem, p. 89.<br />
244<br />
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4ª ed. São<br />
Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 102.<br />
245<br />
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 92.