Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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to<strong>da</strong>s as transformações sofri<strong>da</strong>s na socie<strong>da</strong>de oitocentista.<br />
A obra a que nos ateremos neste capítulo é A mão e a luva. Publicado<br />
pela primeira vez em folhetim em 1874, esse romance é classificado pelos<br />
críticos como pertencente à primeira fase de Machado de Assis 207 .<br />
Guiomar, a personagem principal do romance, é uma moça simples que<br />
fica órfã ain<strong>da</strong> na sua infância. Como afilha<strong>da</strong> de uma rica baronesa, tem nessa<br />
relação a possibili<strong>da</strong>de de ascender socialmente. Dota<strong>da</strong> de uma beleza e um<br />
jeito de ser atrativo, desperta o interesse de três homens: Estêvão – de caráter<br />
fraco e sentimental, Jorge – definido como parasita e calculista, e Luís Alves –<br />
jovem determinado e ambicioso. Entretanto, como a jovem usa a razão em todos<br />
os seus atos, vê nos sentimentos de dois de seus pretendentes – Estêvão e<br />
Jorge, um empecilho para a realização de seu sonho – “o luzimento social”.<br />
Estêvão, com seu caráter fraco, e Jorge, atuando como um parasita <strong>da</strong> fortuna de<br />
sua família, despertam em Guiomar uma ponta de aversão, pois, apesar de jovem<br />
e inexperiente, tinha a moça “um grande tino e sagaci<strong>da</strong>de naturais” 208 :<br />
Há criaturas que chegam aos cinqüenta anos sem nunca passar<br />
dos quinze, tão símplices, tão cegas, tão verdes as compõe a<br />
natureza; para essas o crepúsculo é o prolongamento <strong>da</strong> aurora.<br />
Outras não; amadurecem na sazão <strong>da</strong>s flores; vem ao mundo com<br />
a ruga <strong>da</strong> reflexão no espírito, – embora, sem prejuízo do<br />
sentimento, que nelas vive e influi, mas não domina. Nestas o<br />
coração nasce enfreado; trota largo, vai a passo ou galopa, como<br />
coração que é, mas não dispara nunca, não se perde nem perde o<br />
cavalheiro. 209<br />
Além dessa maturi<strong>da</strong>de prematura, Guiomar se mostra uma figura<br />
tranqüila e fria, “sempre poli<strong>da</strong> e grave” 210 . Desprovi<strong>da</strong> de ilusões e consciente<br />
<strong>da</strong>s engrenagens que movem a socie<strong>da</strong>de, a moça se encaixa perfeitamente no<br />
espaço deixado pela morte <strong>da</strong> única filha <strong>da</strong> rica baronesa. Guiomar, assim como<br />
não pode ser considera<strong>da</strong> uma usurpadora, também não pode ser vista como<br />
uma ingênua, pois, quando já debaixo do teto protetor <strong>da</strong> madrinha, sabe bem<br />
207 A crítica, tradicionalmente, divide a obra de Machado de Assis em duas fases – a primeira, com<br />
romances quase didáticos e pe<strong>da</strong>gógicos, que vai até Iaiá Garcia (1878); e a segun<strong>da</strong>, a partir<br />
de Memórias póstumas de Brás Cubas (1880), em que o autor adota uma postura crítica em<br />
relação à socie<strong>da</strong>de do Segundo Império.<br />
208 ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 58.<br />
209 Idem, p. 58.<br />
210 Idem, p. 25.<br />
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