Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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118<br />
Mas a natureza e a socie<strong>da</strong>de deram-se as mãos para a desviar<br />
dos gozos puramente íntimos. Pedia amor, mas não o quisera fruir<br />
na vi<strong>da</strong> obscura; a maior <strong>da</strong>s felici<strong>da</strong>des <strong>da</strong> terra seria para ela o<br />
máximo dos infortúnios, se lha pusessem num ermo. Criança, iamlhe<br />
os olhos com as se<strong>da</strong>s e as jóias <strong>da</strong>s mulheres que via na<br />
chácara contígua ao pobre quintal de sua mãe; moça, iam- lhe do<br />
mesmo modo com o espetáculo brilhante <strong>da</strong>s grandezas sociais.<br />
Ela queria um homem que, ao pé de um coração juvenil e capaz<br />
de amar, sentisse dentro em si a força bastante para subi-la<br />
aonde a vissem todos os olhos. Voluntariamente, só uma vez<br />
aceitara a obscuri<strong>da</strong>de e a mediania; foi quando se propôs a<br />
seguir o ofício de ensinar; mas é preciso dizer que ela contava<br />
com a ternura <strong>da</strong> baronesa. 288<br />
Ou seja, ambos os rapazes não possuem vontade suficiente para alçar<br />
novos vôos, suas aspirações são ínfimas, nenhum possui natureza de vencedor,<br />
nem tampouco seriam capazes de esforços extras para mu<strong>da</strong>rem suas vi<strong>da</strong>s. Nas<br />
palavras de Faoro, a ambição, enérgica, viril, obstina<strong>da</strong>, leva às montanhas, tanto<br />
pela esca<strong>da</strong> <strong>da</strong> direita, como pela esca<strong>da</strong> <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>. Diz ain<strong>da</strong> que não haja,<br />
para embargar-lhe o passo, o bem e o mal; seu ofício é apenas subir e se manter<br />
nas alturas 289 . É essa ambição que faz Guiomar rejeitar esses dois pretendentes<br />
– visto que, sendo como são, não têm meios para realizarem o seu sonho,<br />
podendo até virem a estorvar seus planos – e é essa a mesma ambição que<br />
caracteriza seu escolhido, Luís Alves, um jovem advogado e deputado 290 .<br />
Este sim reúne as quali<strong>da</strong>des que Guiomar considera essenciais para<br />
merecê-la. Não apenas por seu nível social – que também é dos melhores, mas o<br />
que faz o rapaz disparar na frente em sua preferência é seu caráter determinado,<br />
sua coragem em enfrentá-la, seu modo frio e resoluto e, principalmente, sua<br />
ambição. Aliás, são as mesmas quali<strong>da</strong>des presentes em Guiomar: “esta<br />
presença de espírito de Luís Alves ia muito com o gênio de Guiomar; era um laço<br />
de simpatia” 291 . Além dessa atração de “espíritos” entre os dois, Luís Alves<br />
sustenta que ama Guiomar, mas ama de seu modo: um “amor um pouco<br />
288<br />
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 70 – 71.<br />
289<br />
FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 4ª ed. São Paulo: Globo,<br />
2001, p. 19.<br />
290<br />
Weber diz que Machado se delicia ao descrever a figura do bacharel: “São pequenas pinturas,<br />
quase caricaturas, que Machado vai esboçando, principalmente em seus primeiros romances e<br />
contos, sobre o bacharel, jovem normalmente rico, a viver no mais puro ócio, porque não<br />
precisava trabalhar – o trabalho escravo, afinal, <strong>da</strong>va plenamente conta de sua riqueza<br />
material‖. (WEBER, João Hernesto. Machado de Assis: uma apresentação. In:<br />
. Acesso em 01 de abril de 2009).<br />
291<br />
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 68.