Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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exemplo claro dessa superiori<strong>da</strong>de feminina é o perfil <strong>da</strong> menina Emília do<br />
romance de Alencar, Diva. A moça está acima <strong>da</strong> média em relação às outras<br />
mulheres que a rodeiam e possui instrução suficiente para se posicionar em pé de<br />
igual<strong>da</strong>de com o sexo masculino. Além de ser a personagem mais rica, e com<br />
isso, a que detém maior poder perante seus pares. A própria Lúcia, como já dito<br />
anteriormente, se encontra numa posição distancia<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mulheres “normais”.<br />
Como se sabe, os primeiros romances de Macedo, de Alencar e os que<br />
pertencem à primeira fase de Machado de Assis, são povoados por mulheres e<br />
estu<strong>da</strong>ntes, personagens com os quais o público leitor de então, em sua maioria<br />
composto desses estratos, tinha possibili<strong>da</strong>de de se identificar. Nessa<br />
perspectiva, difícil não pensar em quantas moças <strong>da</strong>quele período, ao ler Diva,<br />
não se imaginaram ser a própria heroína. Assim como, poder-se-ia dizer, talvez<br />
desejassem ter em seus braços uma mulher tão sublime como ela.<br />
É óbvio que estas considerações são meras suposições. Contudo, os<br />
autores desse período viviam e produziam num tempo e espaço determinado,<br />
portanto estavam expostos a certo público e às condições específicas de<br />
produção e circulação de seus textos. As mensagens que seus livros transmitiam<br />
tinham que ser maneja<strong>da</strong>s de tal forma que agra<strong>da</strong>ssem sem desvirtuar, e<br />
mostrassem a socie<strong>da</strong>de como ela aparentava ser, sem pretensão de despertar<br />
no leitor qualquer senso crítico. Sartre, citado por Guimarães, ao discorrer a<br />
respeito <strong>da</strong> posição social do escritor francês no século XIX, observa que ain<strong>da</strong><br />
que o escritor postulasse sua independência e autonomia em relação a qualquer<br />
tipo de ideologia, inclusive a burguesa, era essa a classe – por mais que o escritor<br />
a desprezasse – que viabilizava sua ativi<strong>da</strong>de e lhe conferia reconhecimento 179 .<br />
No Brasil do século XIX, com algumas exceções, a maioria dos escritores<br />
pertencia ao mesmo círculo social de seu público leitor. Tanto o autor quanto o<br />
leitor tinham, em comum, costumes e valores recebidos. Desse modo, para um<br />
escritor, insistir em apontar erros do próprio meio ao qual pertencia, além de<br />
imprudente, poderia ser a exposição de sua conivência com esses erros. Usando<br />
a premissa de Sócrates: admito que a socie<strong>da</strong>de seja injusta, faço parte dessa<br />
socie<strong>da</strong>de, logo, sou injusto.<br />
Porém, nem tudo nestas ficções são flores. O mundo não é perfeito. Há<br />
179 GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o<br />
público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: EDUSP, 2004, p. 64.<br />
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