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Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC

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processo de resignação e reclusão, tirando do rapaz qualquer obrigação para com<br />

ela. Vale lembrar que em nenhum momento Paulo demonstra sentir-se obrigado a<br />

assumir Lúcia, ou até mesmo intenção de desposá-la:<br />

Involuntariamente pois, sem queixas nem recriminações, apenas<br />

com uma doce sau<strong>da</strong>de dos tempos que fugiam rápidos, ambos<br />

cedíamos a uma lei natural, e víamos afrouxarem os laços que<br />

nos uniam. Lúcia, sempre meiga e terna para mim, não podia já<br />

esconder a frieza com que recebia o gozo que outrora era a<br />

primeira a provocar. Quando as minhas instâncias redobravam,<br />

ela, que a princípio se expandia entre o rubor, sorria constrangi<strong>da</strong><br />

como uma escrava submissa ao aceno do senhor.<br />

Eu assistia em silêncio a essa transformação. 198<br />

Fazendo questão de afirmar a veraci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua história, Paulo<br />

demonstra acreditar que a escolha de Lúcia no final <strong>da</strong>s contas foi mais do que<br />

correta. A ordem <strong>da</strong>s coisas prevalece:<br />

É a imagem fiel do que nos acontecera. O mundo soprando o seu<br />

hálito frio na intimi<strong>da</strong>de de nossa existência não tinha podido<br />

separar Lúcia de mim; porém o estame delicado de sua vi<strong>da</strong><br />

desprendeu-se do meu seio, onde ela o escondera e abrigara. A<br />

flor mimosa de sua alma talvez sentisse que a sombra <strong>da</strong>s ramas<br />

ia faltar-lhe contra os sóis abrasadores, como a proteção do<br />

tronco contra os ven<strong>da</strong>vais. E inclinou-se, langue e desfaleci<strong>da</strong>.<br />

Eu, que a devia erguer, não o fiz, porque também sentia o mundo<br />

que me impelia; as aspirações do futuro me chamavam à vi<strong>da</strong> de<br />

estudo e trabalho. 199<br />

Voltando à semelhança entre Lúcia e Margari<strong>da</strong>: o começo, o meio e o<br />

fim dos dois romances são parecidos. Ambas cortesãs – lin<strong>da</strong>s, deseja<strong>da</strong>s –<br />

encontram no amor por jovens de “família” um propósito para mu<strong>da</strong>r suas vi<strong>da</strong>s,<br />

mas que, ao se depararem com as barreiras sociais existentes, renunciam a esse<br />

amor, levando esse sentimento até os seus últimos momentos de vi<strong>da</strong>. Em suma,<br />

a temática é a mesma e a forma literária de ambas as obras se parecem.<br />

Se trabalharmos com a idéia de que Lucíola de Alencar sob certos<br />

aspectos apresenta um certo “quê” de imitação do romance de Dumas, nos resta<br />

analisar se esse processo – a matéria local revesti<strong>da</strong> com forma européia –<br />

descaracteriza ou não esse romance como “nacional”, uma vez que justamente<br />

198 ALENCAR, José de. Lucíola: um perfil de mulher. 7ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos,<br />

[s/d], p. 134.<br />

199 Idem, p. 134.<br />

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