Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
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Lúcia. Se o que a leva a ser severa consigo mesma e entrar num processo de<br />
autopunição não é exatamente um problema de consciência – afinal, como<br />
personagem romântica que é, ela é assim porque o mundo a levou a ser, o que<br />
impele Lúcia a tal atitude é o tratamento que recebe <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de enquanto<br />
exerce seu ofício e mesmo quando o abandona. Em vários trechos encontramos a<br />
noção do preconceito e <strong>da</strong> condenação dos que a cercam 186 : “... desci a este<br />
ponto, Nina, desde que me habituei a desprezar o insulto, tanto como o corpo que<br />
nós costumamos vender” 187 , ou “– Eles compram o seu prazer onde o acham; a<br />
degra<strong>da</strong>ção e a miséria é de quem recebe o preço” 188 , ou ain<strong>da</strong> “Antes mil vezes<br />
esta vi<strong>da</strong>, nua de afeições, em que se paga o desprezo com a indiferença!” 189 .<br />
Para Ribeiro, Alencar transita entre uma constante preocupação em<br />
manter os padrões morais ao mesmo tempo em que denuncia uma falsa moral<br />
presente na socie<strong>da</strong>de. Essa dialética não é difícil de compreender: o autor<br />
defende não “a socie<strong>da</strong>de do seu tempo tal e como se apresenta; defende a<br />
socie<strong>da</strong>de como ela poderia e deveria ser” 190 . Noutras palavras, por mais que a<br />
única pessoa a ser castiga<strong>da</strong> por seus atos seja Lúcia, Alencar, ao retratar to<strong>da</strong> a<br />
engrenagem que move o universo <strong>da</strong> cortesã, denuncia os integrantes que<br />
alimentam esse universo. Essa exposição apresenta os males <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, os<br />
quais devem ser extirpados para que outra socie<strong>da</strong>de, esta sim fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em<br />
valores morais e éticos, possa prosperar.<br />
Ao concentrar to<strong>da</strong> a carga de pecados e culpas na figura de Lúcia, o<br />
autor desvia a lente do leitor para a moça. Estando, no entanto, o leitor avaliando<br />
e julgando as atitudes de Lúcia, não percebe à primeira vista o quanto Alencar<br />
põe à vista as mazelas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Pais de famílias que compram a inocência<br />
186<br />
Margari<strong>da</strong> também convive com o preconceito, embora deixe entrever que é a ambição que as<br />
leva a essa vi<strong>da</strong>: “Estou cansa<strong>da</strong>, afinal de contas, de atender continuamente a pessoas que<br />
vêm pedir-me a mesma coisa, que me pagam e se julgam quites comigo. Se aquelas que se<br />
iniciam nesse odioso trabalho soubessem o que é isso, antes prefeririam ser cria<strong>da</strong>s de quarto.<br />
Mas não; a vai<strong>da</strong>de de possuir vestidos, carruagens e diamantes fascina-nos; acreditamos no<br />
que dizem, pois a prostituição tem sua fé e aos poucos se consome o coração, o corpo, a<br />
beleza; caçam-nos como a cervos, desprezam-nos como párias, vemo-nos cerca<strong>da</strong>s por<br />
pessoas que nos tiram sempre mais do que nos dão e, um belo dia, rebentamos como um<br />
cachorro, depois de perdermos aos outros e a nós mesmas‖. (DUMAS FILHO, Alexandre. A<br />
Dama <strong>da</strong>s Camélias. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal Popular S.A., 1965, p. 111).<br />
187<br />
ALENCAR, José de. Lucíola: um perfil de mulher. 7ª ed. São Paulo: Edições Melhoramentos,<br />
[s/d], p. 64.<br />
188<br />
Idem, p. 66.<br />
189<br />
Idem, p.133.<br />
190<br />
RIBEIRO, Luis Filipe. Mulheres de Papel: um estudo do imaginário em José de Alencar e<br />
Machado de Assis. Niterói: EDUFF, 1996, p. 92.<br />
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