Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Capítulo I - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Embora o caráter de Guiomar, se equiparado ao processo de mol<strong>da</strong>gem<br />
do metal, apresenta já em sua meninice forma mais ou menos modela<strong>da</strong> para a<br />
vi<strong>da</strong> de luxo que teria em sua moci<strong>da</strong>de, seu sucesso se dá pelo seu esforço<br />
pessoal na busca de uma completa a<strong>da</strong>ptação ao novo modo de vi<strong>da</strong>. Todos os<br />
seus passos sempre são bem planejados; sua postura diante de todos é de total<br />
conformi<strong>da</strong>de com os padrões sociais, restando poucos traços <strong>da</strong> menina pobre<br />
que fora um dia; a incorporação <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de dominante se dá de maneira<br />
rápi<strong>da</strong> e desprovi<strong>da</strong> de conflitos.<br />
Esse modo de proceder de Guiomar será, para os que almejavam<br />
melhores condições de vi<strong>da</strong>, o melhor mecanismo de sobrevivência. Como afirma<br />
Schwarz, a participação do homem pobre na cultura moderna <strong>da</strong>va-se ao preço<br />
de uma concessão ideológico-moral de monta, que ele pode elaborar de muitos<br />
modos, mas sem lhe escapar 226 : o tratamento que Guiomar dispensa à Mrs.<br />
Oswald – <strong>da</strong>ma de companhia <strong>da</strong> sua madrinha há muito tempo – retrata, já, um<br />
pensamento de superiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moça em relação à subalterna:<br />
– Naturalmente, continuou Guiomar, há nisto obra sua...<br />
– Minha! interrompeu a outra um pouco mais rispi<strong>da</strong>mente do que<br />
costumava falar.<br />
Guiomar tinha ido sentar-se; o pezinho impaciente batia no tapete,<br />
com um movimento rápido e regular; cruzara os braços sobre o<br />
peito, fitando a inglesa com uns olhos em que se podia ler a viva<br />
exacerbação do espírito. Seguiu-se curto silêncio; Mrs. Oswald<br />
puxou outra cadeira e sentou-se perto <strong>da</strong> moça.<br />
– Por que há de ser injusta comigo? disse ela <strong>da</strong>ndo à voz um tom<br />
melífluo e suplicante; por que não há de ver as coisas, como elas<br />
naturalmente são? O que há nisto é uma coincidência curiosa,<br />
mas na<strong>da</strong> mais. Se lhe falei em semelhante coisa algumas vezes,<br />
foi porque eu mesma percebi o amor que lhe tem o Sr. Jorge; é<br />
coisa que todos vêem. Imaginei que o casamento, neste caso,<br />
seria agradável à senhora baronesa a quem sou grata. Posso ter<br />
feito mal...<br />
– Muito mal, interrompeu Guiomar; são coisas de família em que a<br />
senhora na<strong>da</strong> tem que ver. 227<br />
Ou seja, embora Mrs. Oswald estivesse servindo há muito tempo à<br />
baronesa, mesmo que seus conselhos fossem acatados por sua senhora e que<br />
esta lhe tivesse muito apreço, mesmo assim ela não era e nem deveria ser<br />
226<br />
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 4ª ed. São<br />
Paulo: Duas Ci<strong>da</strong>des, 2000, p. 88.<br />
227<br />
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1977, p. 54 – 55.<br />
99