Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte

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REFLEXÕES SOBRE A PÁTRIA, SOBRE OS PAIS: UMA LEITURA DA CINEMATOGRAFIA BRASILEIRA RECENTE ordem social anteriormente constituída. O mundo se rearticula e se acelera pelas mudanças promovidas pela globalização. As antigas estruturas sociais são alteradas para que possam comportar as multiplicidades de vias interligadas no espaço e da fragmentação temporal, criando a impressão de descontinuidade e descentramento. Como consequências, para os indivíduos e para a sociedade, não há mais uma identidade mestra que organize o mundo, mas uma desconstrução dessa para uma multiplicidade de identidades que mudam de acordo como o sujeito é personifi cado pelos novos movimentos sociais e pelas diferenças que constituirão o sujeito. Com o realinhamento de produção de signifi cados e valores, se acentua a ruptura e o distanciamento nas sociedades, e com isso, uma progressiva exclusão espacial, separação e exclusão. O conceito de unidade familiar e da adolescência, como momento de transição entre duas extremidades muito bem defi nidas, assim como o conceito de ordenação dos Estados, nasceram com a modernidade, bem como a espacialidade bem defi nida pelas fronteiras. Dentro dos limites estabelecidos podiam se impor regras e normas que ditavam o desenvolvimento e a soberania da nação, visando preservar a autonomia e soberania executiva e legislativa, bem como as fronteiras que limitavam o território. Esse estado moderno apoiou-se num tripé que unia a militarização, a economia e a cultura, percebido por Bauman (1999, p. 69-70) como necessários para sustentar a instituição e a manutenção da ordem administrada pelo Estado. Uma efi ciente capacidade ordenadora era impensável a menos que apoiada na capacidade de defender com efi ciência o território contra os desafi os de outros modelos de ordem, tanto internos como externos ao reino; na capacidade de fazer balanço da Nationalokonomie e de reunir recursos culturais sufi cientes para sustentar a identidade e a distinção do Estado através da distinta identidade dos seus súditos. A modernidade construiu países, construiu famílias, onde as coisas tinham signifi cados e pareciam fi rmemente controladas. Também desenvolveu conceitos como: civilização, desenvolvimento, convergência, consenso, além da ideia de LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012 universalização. Já na pós-modernidade e na globalização, este conceito ordeiro de mundo jaz por terra, visto que se transmite, profundamente, a ideia e o caráter “indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo” (BAUMAN, 1999, p. 67). A globalização transformou o mundo com a destruição da sustentação do estado moderno, logo da família constituída nesses alicerces. O enfraquecimento político dos Estados perante a nova ordem global produz Estados fracos, reduzidos a cães de guardas do poder econômico global, e não mais ordenadores das relações sociais e culturais de sua territorialidade. O conceito de nação é também de pertencimento e, por mais diferentes que as pessoas sejam (sexo, raça, cor, credo), buscase a integração dessas diferenças no discurso da representação nacional, contornando as diferenças e criando possibilidades de pertencimento único a uma “identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma grande família nacional” (HALL, 2006, p. 59). A globalização promoveu o deslocamento das identidades culturais ao pluralizá-las, constituindo novas possibilidades e variedades de identifi cação, reordenando os espaços, o tempo e as fronteiras nacionais, interconectando o mundo. É nesse novo jogo global de identidades que se movimenta, aquilo que Robins e Bhabba, de acordo com Hall (2006, p. 87-9), defi nem como “Tradição”, uma tentativa de recuperar a “pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas” e, seu oposto, “Tradução”, uma releitura das tradições, um produto, fruto de negociações, composto e pertencente a diferentes culturas interconectadas. Assim, como sujeitos, nos vemos num momento de crise, de perda do completo sentido de si, de uma estabilidade anterior. Os ventos do momento presente individualizam a sociedade, que recusa vínculos com o passado e perspectivas para o futuro. Wisnik (apud AVELLAR, 2007, p. 235), no folheto de divulgação do fi lme Terra Estrangeira, comenta: “Já se disse de vários modos que no Brasil vive-se a falta crônica da fi gura do pai, aquele instaurador da lei que põe limite ao gozo e confere nome aos sujeitos”. 2902
REFLEXÕES SOBRE A PÁTRIA, SOBRE OS PAIS: UMA LEITURA DA CINEMATOGRAFIA BRASILEIRA RECENTE 4. Considerações fi nais “A adolescência traz consigo a descoberta da injustiça, o desejo da independência, o desmame afetivo, as primeiras curiosidades sexuais. É, portanto, a idade crítica por excelência, a idade dos primeiros confl itos entre a moral absoluta e a moral relativa dos adultos, entre a pureza do coração e a impureza da vida, é enfi m, do ponto de vista de qualquer artista, a idade mais interessante a ser iluminada” François Truffaut Nesse artigo, preocupamo-nos em analisar a constituição do Estado contemporâneo e globalizado, estabelecendo uma analogia com a fi gura paterna presente em dois fi lmes recentes: As Melhores Coisas do Mundo e Antes que o Mundo Acabe, respectivamente dirigidos por Lais Bodanzky e Ana Luiza Azevedo. As crises habituais da adolescência, na construção de sua identidade pelas quais os adolescentes passam, são retratadas nos fi lmes com o acréscimo do confl ito proporcionado pela fi gura paterna, também em transformação. Pais e fi lhos são uma representação dos confl itos que vive o Estado contemporâneo, constituído mais por ausências e papéis coadjuvantes em relação às propostas de sua constituição dentro da modernidade. A globalização pôs tudo em movimento, dos Estados às famílias. A juventude cada vez mais isolada e individualizada, presa a um presente que nega as referências passadas e a quem, em determinado momento, será dada a continuação deste em um futuro a se construir, herdará e constituirá esse mundo. O futuro é incerto como a adolescência. São momentos de metamorfose e transformações, momentos a serem iluminados para que permaneçam acesos valores morais e éticos identifi cados com este universo múltiplo e fragmentado, composto pelas mais diferentes identidades, do outro. Cabe a refl exão de Merten (2010, p. 79) sobre o destino do adolescente Mano, principal personagem do fi lme de Lais Bodaznky: “O belo dessa história é que o amor de um irmão (Mano) salva o outro e mantém a família ligada, senão realmente unida, após a separação”. 5. Referências LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012 AVELLAR, José Carlos. Pai, país, mãe, pátria. Revista Alceu: Revista de Comunicação, Cultura e Política da PUC-Rio. Disponível em: http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/ media/Alceu_n15_Avellar.pdf. Acesso: 02 de agosto de 2011. BERNADET, Jean-Claude. O que é cinema. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: consequências humanas. (Trad.) PENCHEL, Marcus. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. (Trad.) SILVA; LOURO, Tomaz T.; Guacira L.. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LERINA, Roger. Antes que a juventude acabe. Teorema: Crítica de Cinema, Porto Alegre: n. 16, p. 63-7, jul 2010. MERTEN, Luiz Carlos. Amor entre dois irmãos. Teorema: Crítica de Cinema, Porto Alegre: n. 16, p. 77-9, jul 2010. ORICCHIO, Luiz Zanin. A esfera privada. Cinema de novo, um balanço crítico da retomada. São Paulo: Estação Liberdade. 2003, p. 79-96. 5.1. Filmes ANTES que o mundo acabe. Direção: Ana Luiza Azevedo. Produção: Nora Goulart; Luciana Tomasi. Roteiro: Giba Assis Brasil, Ana Luiza Azevedo e outros. Intérpretes: Eduardo Cardoso; Murilo Grossi; Caroline Guedes e outros: Casa de Cinema de Porto Alegre; 2009. 1 fi lme (104 min), som., color., 35 mm AS MELHORES coisas do mundo. Direção: Lais Bodanzky. Produção: Caio e Fabiano Gullane e outros. Roteiro: Luiz Bolognesi, Gilberto Dimenstein, Heloísa Prieto. Intérpretes: Francisco Miguez; Denise Fraga; Fiuk e outros: Gullane fi lmes; 2010. 1 fi lme (100 min), som., color., 35 mm. 2903
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