Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
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CORPOLIDO-ESCRITO: INTENSIFICAÇÕES DE SENTIDO NA TECELAGEM DE UMA LEITURA-ESCRITA<br />
Relatórios de afetação plenos de sensações. A única coisa<br />
que conta são as maneiras de viver. Descobertas. Recobertas.<br />
Encobertas. Revestidas. Vestidas. Despidas de to<strong>do</strong> o comum.<br />
É um mo<strong>do</strong> de exercer a escrita em que ela nos transporta<br />
para o invisível, e as palavras que se encontra através<br />
de seu exercício, tor<strong>na</strong>m o mais palpável possível, a<br />
diferença que só existia <strong>na</strong> ordem <strong>do</strong> impalpável. Nesta<br />
aventura encar<strong>na</strong>-se um sujeito, sempre outro: escrever<br />
é traçar um devir. Escrever é esculpir com palavras a<br />
matéria-prima <strong>do</strong> tempo, onde não há separação entre a<br />
matéria-prima e a escultura, pois o tempo não existe senão<br />
esculpi<strong>do</strong> em um corpo, que neste caso é o da escrita, e o<br />
que se escreve não existe senão como verdade <strong>do</strong> tempo.<br />
Uma outra imagem ainda, para tentar dizer a mesma<br />
coisa: escrever é fazer letra para a música <strong>do</strong> tempo; e<br />
é esta música, sempre singular, que nos indica a direção<br />
da letra, que selecio<strong>na</strong> as palavras que transmitam o mais<br />
exatamente possível seus tons, seus timbres, seus ritmos,<br />
suas intensidades (ROLNIK, 1993, § 22).<br />
“São as marcas que escrevem” (Idem, § 21). Marcas que a<br />
vida-vida, o mun<strong>do</strong>, a leitura, o fazer deixam no corpo. Marcas<br />
que fazem escrita-corpo. Uma escrita mais próxima <strong>do</strong> corpo<br />
que se movimenta, movimento <strong>do</strong> corpo, movimento da mão.<br />
Escrita-manual. Escrita como fazer manual. A escrita que dá<br />
língua ao corpo afeta<strong>do</strong> pelo fazer manual. Escrita que dá voz<br />
ao corpo afeta<strong>do</strong> pelas leituras que movimentam o pensamento,<br />
que faz pensamento-vida, pensamento-corpo.<br />
Ce<strong>na</strong> múltipla: tecelagens de tu<strong>do</strong><br />
Em seu aspecto material ou maquínico, um<br />
agenciamento não nos parece remeter a uma produção<br />
de bens, mas a um esta<strong>do</strong> preciso de mistura de corpos<br />
em uma sociedade, compreenden<strong>do</strong> todas as atrações<br />
e repulsões, as simpatias e as antipatias, as alterações,<br />
as alianças, as penetrações e expansões que afetam os<br />
LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012<br />
corpos de to<strong>do</strong>s os tipos, uns em relação aos outros<br />
(DELEUZE; GUATTARI, 2008a, p. 31).<br />
E se a gente saísse pelo prédio, tecen<strong>do</strong> o prédio to<strong>do</strong>?<br />
Incentiva um. Vertigem. A sala peque<strong>na</strong> dá lugar aos corre<strong>do</strong>res<br />
imensos, salões e escadas. Acontecimento em espaço outro,<br />
espaço público, espaço de passagem. Os corpos uni<strong>do</strong>s pela<br />
trama da escrileitura. Os fi os amarram os corpos que se movem<br />
com difi culdade, escreven<strong>do</strong> e len<strong>do</strong> sem parar. A ofi ci<strong>na</strong><br />
esquizodramática apresenta seu clímax: a intensidade <strong>do</strong> fazer<br />
des<strong>na</strong>turalizan<strong>do</strong> o escrever e o ler, tecen<strong>do</strong> escrita e leitura<br />
em tramas <strong>do</strong> corpo, movimento agencia<strong>do</strong> pela tecelagem.<br />
Atividade mobiliza<strong>do</strong>ra de estranhamentos, desconhecimentos,<br />
desterritorializan<strong>do</strong> o conheci<strong>do</strong>, provocan<strong>do</strong> dessubjetivação<br />
intensa: “É preciso ir mais longe: fazer com que o encontro<br />
com as relações penetre e corrompa tu<strong>do</strong>, mine o ser, o faça<br />
oscilar” (DELEUZE; PARNET, 2004, p. 75).<br />
Pelos corre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Instituto de Educação, a leitura e a<br />
escrita se apresentam em um tecer intenso. Fragmentos de textos,<br />
impressões escritas, olhares estranha<strong>do</strong>s, pensares inventa<strong>do</strong>s,<br />
explosão de senti<strong>do</strong>s, sensações. Nos teci<strong>do</strong>s marca<strong>do</strong>s, as<br />
palavras se fazem questão: “Não sabia o que escrever, mas<br />
não conseguia parar de escrever, fui len<strong>do</strong> e escreven<strong>do</strong> sem<br />
parar 7 ” (fotos 1 e 2). Fios e linhas trama<strong>do</strong>s no corpo: “Não<br />
conseguia andar, só queria me soltar, queria gritar, aí eu<br />
pensei: o que a boca cala? Então eu escrevi” (foto 3). Papéis<br />
rasga<strong>do</strong>s, rasura<strong>do</strong>s, o corpo amarra<strong>do</strong> pela escrita: “Eu<br />
estava presa, amarrada, descen<strong>do</strong> a escada com difi culdade,<br />
junto com to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, um bolo só, queria escrever uma<br />
palavra, mas aí eu me perguntei: é com esse ou com cedilha?<br />
Me deu uma raiva! Que importa se era com esse ou com<br />
cedilha? Que importa? A gente fi ca tão preso nisto que perde<br />
até o prazer de escrever. Lembrei, mas mesmo assim escrevi<br />
‘atraveça’ com cedilha, é preciso subverter o estabeleci<strong>do</strong>,<br />
fazer pensar” (fotos 4 e 5). O corpo-inurdi<strong>do</strong>, incerto. Trama<strong>do</strong>,<br />
traman<strong>do</strong> leituras outras. A escrita tecida no corpo. Sensação.<br />
7 - Em negrito, transcrição livre das falas <strong>do</strong>s participantes da ofi ci<strong>na</strong> “corpoescritateci<strong>do</strong>: provocações em leitura-escrita”, durante a roda de partilha que<br />
aconteceu logo após a experiência.<br />
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