Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
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INFÂNCIA, LUDICIDADE E CRÍTICA SOCIAL NA TESSITURA POÉTICA DE JORGE DE LIMA<br />
chorava por tu<strong>do</strong> e uma infância forte, masculi<strong>na</strong> que não<br />
se permite chorar; uma infância que ao se aproximar da<br />
a<strong>do</strong>lescência já enxerga com outros olhos a moça <strong>do</strong> trapézio.<br />
Lembranças das suas vestes, <strong>do</strong>s acontecimentos e sau<strong>do</strong>so <strong>do</strong><br />
circo que se foi embora, a fortaleza <strong>do</strong> menino é evocada por<br />
meio <strong>do</strong>s versos reitera<strong>do</strong>s no fi <strong>na</strong>l das duas últimas estrofes:<br />
“Eu era um menino de olhos extasia<strong>do</strong>s / que tinham saudades<br />
/ mas não choravam nunca!”.<br />
A meninice de “Domingo” remete aos oito anos <strong>do</strong> poeta,<br />
parafrasean<strong>do</strong> o poema “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu;<br />
aurora que o eu-lírico situa, temporal e comparativamente,<br />
como “um <strong>do</strong>mingo bonito”:<br />
Ah! que saudades que eu tenho<br />
da aurora de minha vida”<br />
Ah! Casimiro, a aurora de minha vida<br />
Foi um <strong>do</strong>mingo bonito:<br />
(LIMA, 2007, p. 42)<br />
Uma infância feita de acontecimentos simples: a<br />
chamada da missa; o cantar <strong>do</strong> galo; subir <strong>na</strong> torre da igreja;<br />
provocar o tenente mofi no: peraltices <strong>do</strong>s meninos que olhavam<br />
de/por cima com os olhos carolhos!<br />
A criança nos poemas de Jorge de Lima não é uma<br />
categoria etária abstrata, mas um ser humano exposto a<br />
contextos sociais, sentimentos, experiências concretas de<br />
vida. O escritor tor<strong>na</strong> perceptível, literariamente, no poema<br />
“Meninice” a busca <strong>do</strong> autoconhecimento, desvelan<strong>do</strong> as<br />
iniciações, a construção da alteridade <strong>do</strong>/no sujeito.<br />
4. A tessitura da poética limia<strong>na</strong>: por motivos de<br />
infância<br />
O fi lósofo italiano Giambattista Vico apud Cavalcanti<br />
(2010) parece nos auxiliar a olhar a obra de Jorge de Lima “por<br />
dentro”, desvelan<strong>do</strong> a matéria-prima <strong>do</strong> seu fazer poético, qual<br />
seja: a infância em seus diversos mo<strong>do</strong>s de ser-estar no mun<strong>do</strong>.<br />
Para o fi lósofo cita<strong>do</strong> por Cavalcanti (2010, p. 136) “o mais<br />
sublime ofício da poesia é o de conferir senti<strong>do</strong> e paixão às<br />
LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012<br />
coisas insensatas. E é propriedade <strong>do</strong>s infantes o tomar coisas<br />
i<strong>na</strong>nimadas entre as mãos e, entreten<strong>do</strong>-se, falar-lhe como se<br />
elas fossem pessoas vivas”.<br />
Os poemas de Jorge de Lima que integram o corpus deste<br />
texto evidenciam essa preocupação de atribuir signifi ca<strong>do</strong>s às<br />
peque<strong>na</strong>s coisas vistas, vividas ou percebidas pelo seu aguça<strong>do</strong><br />
senso poético <strong>na</strong> medida em que vivifi ca perso<strong>na</strong>gens, ce<strong>na</strong>s,<br />
experiências.<br />
O tema da infância aparece nos seus poemas sob as mais<br />
diversas motivações: “como reconfi guração de passagens<br />
signifi cativas de sua biografi a” (ALMEIDA, 2010, p. 54);<br />
como espaço-tempo da ludicidade ou mesmo como denúncia<br />
de infâncias roubadas. De acor<strong>do</strong> com Bosi (2000, p. 177)<br />
<strong>na</strong> lírica memorialística de Jorge de Lima “[...] o movimento<br />
<strong>do</strong> texto visa ao reencontro <strong>do</strong> homem adulto com o mun<strong>do</strong><br />
mágico da criança nordesti<strong>na</strong>”.<br />
Na elaboração poética de Jorge de Lima, os<br />
brinque<strong>do</strong>s e as brincadeiras, inclusive as realizadas com<br />
palavras (parlendas) são apresentadas em esta<strong>do</strong> de poesia e<br />
encantamento. Desviantes, renomeadas e/ou redimensio<strong>na</strong>das,<br />
as palavras vão viran<strong>do</strong> ludicidade, jogo, poesia, convidan<strong>do</strong> as<br />
crianças a jogar com a sonoridade e a signifi cação, juntinhas,<br />
qual João e Maria. Corpo e poesia são postos em diálogo <strong>na</strong><br />
poética limia<strong>na</strong>, entrelaçan<strong>do</strong>-se brincadeiras, sentimentos e<br />
imaginário.<br />
O diálogo como recurso emprega<strong>do</strong> por Jorge de<br />
Lima em muitos <strong>do</strong>s seus poemas imprime-lhes uma feição<br />
<strong>na</strong>rrativa, reverberan<strong>do</strong>-se a concepção de uma infância que<br />
fala, reclama, brinca, sofre com as mazelas sociais e os dramas<br />
da vida.<br />
Em grande <strong>parte</strong> <strong>do</strong>s poemas limianos, o resgate da infância<br />
ocorre como rememoração; matéria-prima de sua imagi<strong>na</strong>ção;<br />
ludicidade. A expressiva quantidade de poemas que abordam<br />
a infância e/ou suas associações evidenciam que são vários<br />
os motivos de infância para o referi<strong>do</strong> escritor. Portanto, por<br />
motivos de infância, precisamos partilhar com as crianças esse<br />
ma<strong>na</strong>ncial de poemas <strong>na</strong> perspectiva de colocá-los em esta<strong>do</strong><br />
de poesia para que possam ser li<strong>do</strong>s, aprecia<strong>do</strong>s e resignifi ca<strong>do</strong>s<br />
por/para elas.<br />
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