O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E SEUS ATRAVESSAMENTOS POLÍTICOS Urgente e necessária, para se efetivar reais transformações, uma política de formação <strong>do</strong>cente que proponha mudanças de dentro para fora, que considere esses sujeitos e seus saberes e experiências, saberes da experiência, que ofereça espaço para a troca de experiências, para a refl exão sobre as práticas. Espaço promovi<strong>do</strong> e constituí<strong>do</strong> de forma dialógica, pauta<strong>do</strong> <strong>na</strong> coletividade. Se o objetivo comum é formar alunos leitores e escritores, sujeitos que possam habitar o mun<strong>do</strong> das letras, responden<strong>do</strong> a ele com a sua palavra e contrapalavra, há que se promover, pois, uma formação <strong>do</strong>cente pautada nos mesmos princípios: consideran<strong>do</strong> os discursos e contradiscursos <strong>do</strong>s professores, reconhecen<strong>do</strong>os como sujeitos produtores de conhecimento, dan<strong>do</strong> legitimidade às suas vozes. Conclusão No teci<strong>do</strong> composto por vozes diversas, no diálogo com alguns autores, <strong>na</strong> refl exão sobre ce<strong>na</strong>s da experiência, surgem as questões: “E, diante de tu<strong>do</strong> isso, o que faz a escola? O que fazemos <strong>na</strong> escola?” (KRAMER, 2003, p. 125). O que podemos fazer para que a escola cumpra a árdua tarefa de formar leitores e escritores? Para que os professores se reapropriem das políticas públicas em favor de uma língua-fl uxo? Inseri<strong>do</strong>s <strong>na</strong> engre<strong>na</strong>gem <strong>do</strong> capitalismo, que transforma tu<strong>do</strong>, inclusive o conhecimento, em merca<strong>do</strong>ria, muitas vezes, não fazemos o que deveríamos <strong>na</strong> escola. Rendemonos à distribuição <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s no tempo, esquartejan<strong>do</strong> a leitura e a escrita, por nos faltar coragem para dedicar tempo sufi ciente ao ler e escrever; aceitamos a hierárquica divisão <strong>do</strong>s direitos e obrigações entre professor e aluno, o que muitas vezes impede que o educan<strong>do</strong> e suas opiniões e sugestões sejam consideradas; aderimos a formas de controle da aprendizagem, ensi<strong>na</strong>n<strong>do</strong>, portanto, conteú<strong>do</strong>s mais acessíveis à avaliação (a gramática normativa, por exemplo). O que ensino, o que deixo de ensi<strong>na</strong>r? Ensino moven<strong>do</strong>me pela vontade de formar leitores e escritores, mas ren<strong>do</strong>- LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012 me, muitas vezes, a essa lógica da instituição escolar, resig<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-me a sua organização espaço-temporal, às relações de poder histórica e socialmente constituídas. E diante disso, desse contexto no qual estamos inseri<strong>do</strong>s, o que podemos fazer? Como professores de língua portuguesa, precisamos ter a clareza de que o conhecimento da língua difere <strong>do</strong> conhecimento da sua gramaticalidade, sem é claro, prescindir deste. Como educa<strong>do</strong>res, ter a certeza de que apostar <strong>na</strong> alfabetização, no ensino da língua, da leitura e da escrita, é um projeto de resistência. Acreditar que estamos no caminho. Continuar caminhan<strong>do</strong>, refazen<strong>do</strong> percursos, sempre que necessário. Continuar e resistir. Re-existir. Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Ática. 2006b. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacio<strong>na</strong>is: terceiro e quarto ciclos <strong>do</strong> ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos Professores. In: ______. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensi<strong>na</strong>r. 10.ed. São Paulo: Ed. Olho d’água, 2009. p 27-38. GERALDI, João Wanderley. Alfabetizações cotidia<strong>na</strong>s: as letras da cidade e a cidade das letras. In: GARCIA, Regi<strong>na</strong> Leite; ZACCUR, Edwiges (Org.). Cotidiano e diferentes saberes. Rio de Janeiro: DP&A, Niterói. 2006. p. 59-71. KRAMER, Sônia. Por entre as pedras: arma e sonho <strong>na</strong> escola. São Paulo: Ática, 2003. LERNER, Délia. Ler e escrever <strong>na</strong> escola: o real, o possível e o necessário. Tradução de Er<strong>na</strong>ni Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002. 2920
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E SEUS ATRAVESSAMENTOS POLÍTICOS MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. (Educação Linguística; 2) NÓVOA, António. Formação de professores e profi ssão <strong>do</strong>cente. In: NÓVOA, António. Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. PAES, José Paulo. Convite. In: Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 2001. LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012 VARANI, Adria<strong>na</strong>. Da constituição <strong>do</strong> trabalhão <strong>do</strong>cente coletivo: re-existência <strong>do</strong>cente <strong>na</strong> descontinuidade das políticas educacio<strong>na</strong>is. 2005. v. 1. 260 f. Tese (Doutora<strong>do</strong> em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campi<strong>na</strong>s, Campi<strong>na</strong>s, 2005. ZUIN, Polia<strong>na</strong> Bruno; REYES, Claudia Raimun<strong>do</strong>. O ensino da língua mater<strong>na</strong>: dialogan<strong>do</strong> com Vygotsky, Bakhtin e Freire. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2010. 2921