Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
CORPOLIDO-ESCRITO: INTENSIFICAÇÕES DE SENTIDO NA TECELAGEM DE UMA LEITURA-ESCRITA<br />
Cheiro. Pulso. Suor. Respiração. Movimento.<br />
A experiência acontece no laboratório exposto à<br />
contami<strong>na</strong>ção. Os corpos teci<strong>do</strong>s são outros e mesmos,<br />
inquietos, atravessa<strong>do</strong>s, inurdi<strong>do</strong>s, trama<strong>do</strong>s pelo li<strong>do</strong>, pelo<br />
escrito. Marcas <strong>do</strong> papel no pano <strong>do</strong> corpo. Uma multidão<br />
se apresenta. “Alguém amarrou um pedaço de pano <strong>na</strong><br />
minha boca, me amordaçou e eu segui assim. Quan<strong>do</strong><br />
percebi, o fato de estar calada parecia estar fazen<strong>do</strong> com<br />
que minha pele fi casse mais sensível, meu ouvi<strong>do</strong> abriu,<br />
escutei mais, vi mais, foi como se o corpo to<strong>do</strong> escrevesse,<br />
como se o corpo to<strong>do</strong> lesse e não só a fala, não só a boca, o<br />
olho” (foto 6). Na experiência-laboratório, o acontecimento<br />
leitura-escrita teci<strong>do</strong> no corpo. Teci<strong>do</strong> vivo no subterrâneo<br />
da pele. No profun<strong>do</strong> da pele, a escrita, o li<strong>do</strong>. Na superfície<br />
da pele. Na pele. Falas, dizeres, pensares, sentires teci<strong>do</strong>s,<br />
fazeres coletivos que se inventam, que produzem mo<strong>do</strong>s outros<br />
de subjetivação. “Alguém escreveu ‘<strong>na</strong>da existe por si sol’<br />
<strong>na</strong> fi ta crepe e pregou no chão. Quan<strong>do</strong> li aquilo, entendi<br />
isto de coletivo. É impossível isolar alguma coisa, tu<strong>do</strong><br />
sempre é como a gente ali, <strong>na</strong>quele momento: amarra<strong>do</strong><br />
um no outro. A poesia, a música, a vida mesmo brota é<br />
deste tu<strong>do</strong> junto” (foto 7). Tecelagem-corpo-palavra-vida.<br />
A palavra tensio<strong>na</strong>, põe em questão. Que escritos se tecem<br />
no corpo? Que teci<strong>do</strong>s se leem com o corpo? Que corpos<br />
se escrevem no teci<strong>do</strong>? Que é teci<strong>do</strong> pela escrita-leitura <strong>do</strong><br />
corpoli<strong>do</strong>-escrito? “Um corpo enuncia<strong>do</strong> pela máqui<strong>na</strong> e<br />
exposto frontalmente por ela: ao mesmo tempo em que é a<br />
enunciação, a mensagem, é ele também quem, ao vivo, tem o<br />
poder de transformá-la [...]” (MELLO, 2003, p. 226). “Sabe,<br />
levei tu<strong>do</strong> muito a sério. Fiquei o tempo to<strong>do</strong> pensan<strong>do</strong><br />
<strong>na</strong> escola, no blá-blá-blá que fazemos <strong>na</strong> escola. Estava<br />
amarrada, meu corpo to<strong>do</strong> preso ao corpo de pessoas que<br />
eu nem conhecia, eu escrevia, pensava. Teve uma hora que<br />
escrevi: ‘blá-blá-blá... seu corpo <strong>na</strong> cadeira da escola’. Já<br />
pensaram nisto? Que corpo é este que fi ca senta<strong>do</strong> o tempo<br />
to<strong>do</strong> <strong>na</strong> escola?” (fotos 8 e 9).<br />
LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012<br />
A tarefa central desta klinica 8 é desarticular os chama<strong>do</strong>s<br />
“blocos cristaliza<strong>do</strong>s de senti<strong>do</strong>” da realidade, sua mutação<br />
para<strong>do</strong>xal, aporética, enigmática e absurda a favor <strong>do</strong>s<br />
encontros ao acaso que geram novos senti<strong>do</strong>s. Pode-se,<br />
para tais fi ns, tomar os enuncia<strong>do</strong>s condutores de vida<br />
<strong>do</strong>s sujeitos e grupos [...], sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se tor<strong>na</strong>ram<br />
lemas existenciais (BAREMBLITT, 2008, § 51).<br />
Assim, desurdin<strong>do</strong> o corpo <strong>do</strong>s movimentos cotidianos,<br />
desacostuman<strong>do</strong> escrita e leitura de seus lugares convencio<strong>na</strong>is, o<br />
corpo-múltiplo <strong>do</strong> grupo participante da ofi ci<strong>na</strong> esquizodramática<br />
vai tecen<strong>do</strong> novos pensares, fazen<strong>do</strong> novas composições de<br />
corpos li<strong>do</strong>s e escritas tecidas com a escola, com as práticas<br />
linguageiras, com o silêncio, a fala insignifi ca<strong>do</strong>ra, com o<br />
coletivo da existência. Tor<strong>na</strong>-se, assim, visível a necessidade <strong>do</strong><br />
fazer-pensar-sentir corpo. O esquizodrama termi<strong>na</strong>, deixan<strong>do</strong><br />
suas marcas no espaço: panos escritos, fi os retorci<strong>do</strong>s, papéis<br />
com dizeres, pensares, ecos <strong>do</strong> fazi<strong>do</strong>, <strong>do</strong> li<strong>do</strong>, <strong>do</strong> escrito, <strong>do</strong><br />
aconteci<strong>do</strong>. Nas peles, confi gurações outras se tor<strong>na</strong>m possíveis.<br />
A ofi ci<strong>na</strong>-laboratório potencializa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> real, que faz <strong>do</strong> mesmo,<br />
um outro, uma experiência de criação, de produção de devires,<br />
de invenção de um outro: simplesmente um corpo.<br />
Foto 1 – “...fui len<strong>do</strong> e escreven<strong>do</strong> sem parar”<br />
8 - Klínica (com K) para diferenciá-lo da clínica psicoterapêutica convencio<strong>na</strong>l. O termo Klínica tenta resgatar a etimologia <strong>do</strong> termo grego cli<strong>na</strong>men, que<br />
signifi ca desvio, invenção (BAREMBLITT, 2008).<br />
2847