Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
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A EVOLUÇÃO DO ROMANCE E A NARRATIVA JUVENIL: “O DIA EM QUE LUCA NÃO VOLTOU”<br />
pela variabilidade e multiplicidade de aspectos da<br />
experiência huma<strong>na</strong>. Se a literatura artística de uma<br />
época não consegue encontrar a conexão existente<br />
entre a práxis e a riqueza de desenvolvimento da vida<br />
íntima das fi guras típicas de seu próprio tempo, o<br />
interesse <strong>do</strong> público se refugia em sucedâneos abstratos<br />
e esquemáticos.<br />
Essa literatura “esquemática” passou a fazer <strong>parte</strong> <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> burguês e adentrou o século XX. O seu público se<br />
expandiu e se infi ltrou <strong>na</strong>s elites. Os clássicos precisaram<br />
aprender a conviver com mo<strong>do</strong>s diferentes de <strong>na</strong>rrar e de se<br />
fazer literatura. As fi guras <strong>do</strong> <strong>na</strong>rra<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens se<br />
alteraram, e agora somente o necessário era e<strong>na</strong>lteci<strong>do</strong>. O<br />
público não mais lia obras literárias, mas sim as consumia em<br />
um ritmo que precisava acompanhar o merca<strong>do</strong>.<br />
Segun<strong>do</strong> Lukács (2010, p. 166),<br />
o leitor é guia<strong>do</strong> pelo autor através da variedade e<br />
multiplicidade de aspectos <strong>do</strong> enre<strong>do</strong>; e o autor, em<br />
sua onisciência, conhece o signifi ca<strong>do</strong> especial de<br />
cada mínimo detalhe para a solução defi nitiva, para o<br />
desenvolvimento defi nitivo <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens - e só lhe<br />
interessam os detalhes que podem desempenhar esta<br />
função no conjunto da ação. A onisciência <strong>do</strong> autor<br />
dá segurança ao leitor e permite que ele se instale<br />
com familiaridade no mun<strong>do</strong> da poesia. Mesmo não<br />
saben<strong>do</strong> antecipadamente o que acontecerá, o leitor<br />
pode pressentir com sufi ciente exatidão o caminho<br />
para o qual tendem os acontecimentos em decorrência<br />
da lógica inter<strong>na</strong> e da necessidade interior existentes<br />
no desenvolvimento <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens. De fato, o<br />
leitor não sabe tu<strong>do</strong> sobre o desenvolvimento da<br />
ação e a evolução a ser sofrida pelos perso<strong>na</strong>gens;<br />
em geral, contu<strong>do</strong>, sabe mais <strong>do</strong> que os próprios<br />
perso<strong>na</strong>gens.<br />
Neste impasse, encontra-se a dicotomia entre a <strong>na</strong>rração<br />
e a descrição. Para Lukács (2010, p. 174), “<strong>do</strong> ponto de vista<br />
poético, a descrição é absolutamente supérfl ua”. Para este<br />
autor, a descrição tor<strong>na</strong> a literatura menos artística, ao passo<br />
LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012<br />
que a <strong>na</strong>rração carrega em si a vivacidade <strong>na</strong>rrativa. É preciso<br />
ter em mente que Lukács compara o emergente romance<br />
com as antigas epopeias, símbolos vivos da obra de arte<br />
enquanto objeto de a<strong>do</strong>ração. Na (e para a) representação de<br />
um povo, as epopeias utilizavam-se <strong>do</strong> recurso descritivo para<br />
simbolizar a exatidão <strong>do</strong>s fatos e a emergência das situações.<br />
Tu<strong>do</strong> era sumariamente descritivo, no entanto, com o advento<br />
da burguesia e a transformação <strong>do</strong> público leitor, fez-se<br />
necessário “abreviar” a leitura, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-a ágil e perspicaz.<br />
Segun<strong>do</strong> Lukács (2000, p. 55), “o romance é a epopeia de<br />
uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais<br />
dada de mo<strong>do</strong> evidente, para a qual a imanência <strong>do</strong> senti<strong>do</strong><br />
à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por<br />
intenção a totalidade”.<br />
Em outro ensaio intitula<strong>do</strong> “Arte livre ou arte dirigida?”, de<br />
1947, Lukács (2010), aborda o sistema capitalista e a mudança<br />
de atitude <strong>do</strong> leitor e <strong>do</strong> autor frente ao objeto literário. Segun<strong>do</strong><br />
ele (p. 273),<br />
tu<strong>do</strong> isto signifi ca bem mais <strong>do</strong> que o enfraquecimento,<br />
ou mesmo a desaparição <strong>do</strong> contato e da interação<br />
diretos entre o artista e seu público. Esse público<br />
tor<strong>na</strong>-se anônimo, amorfo; perde sua face. O artista <strong>do</strong><br />
passa<strong>do</strong> sabia exatamente a quem se dirigia com suas<br />
obras; o artista moderno encontra-se – objetivamente,<br />
considerada a função social da arte – <strong>na</strong> situação <strong>do</strong><br />
produtor de merca<strong>do</strong>rias em relação ao merca<strong>do</strong> abstrato.<br />
Sua liberdade é aparentemente tão grande quanto a <strong>do</strong><br />
produtor de merca<strong>do</strong>rias em geral (sem liberdade, não<br />
há merca<strong>do</strong>). Mas, <strong>na</strong> realidade, objetivamente, as<br />
leis <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>m o artista pela mesma razão<br />
porque <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>m, em geral, o produtor de merca<strong>do</strong>rias.<br />
O texto literário, agora enquanto merca<strong>do</strong>ria, encontrou<br />
<strong>na</strong> burguesia o público ideal para textos curtos, com muitas<br />
peripécias e fi <strong>na</strong>is surpreendentes. Um público que teria<br />
difi culdade em ler um texto literário de perío<strong>do</strong>s anteriores<br />
pede, no momento de sua ascensão, textos específi cos para o<br />
consumo, para o mero divertimento, e não mais somente para<br />
a cultuação.<br />
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