Artigos do 18° COLE publicados na revista LTP - 9ª parte
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INFÂNCIA, LUDICIDADE E CRÍTICA SOCIAL NA TESSITURA POÉTICA DE JORGE DE LIMA<br />
como eu fazia em criança:<br />
Minha sombra<br />
você põe a sua mão<br />
por baixo da minha mão,<br />
vai cobrin<strong>do</strong> o rascunho <strong>do</strong>s meus poemas<br />
sem saber ler e escrever.<br />
(LIMA, 2007, p. 41)<br />
Nos versos acima, o eu-lírico sau<strong>do</strong>so deseja ter a meninice<br />
da sombra, expressan<strong>do</strong> os senti<strong>do</strong>s que atribui a infância:<br />
humor, brincadeira, companheirismo.<br />
Em “Boneca de pano”, o brinque<strong>do</strong> é assim descrito nos<br />
quatro primeiros versos: “Boneca de pano <strong>do</strong>s olhos de conta,<br />
/ vesti<strong>do</strong> de chita, / cabelo de fi ta, / cheinha de lã.” (LIMA,<br />
2004, p. 97). Boneca de pano que mais parece gente e que vive<br />
de olhos abertos “olhan<strong>do</strong> os bonecos que sabem marchar; /<br />
calungas de mola que sabem pular”.<br />
Desvalorizada pelo valor que custa: um tostão (apesar de<br />
cair e não se quebrar). Brinque<strong>do</strong> das meni<strong>na</strong>s infelizes que<br />
“são guias de aleija<strong>do</strong>s, que apanham pontas / de cigarro, que<br />
mendigam <strong>na</strong>s esqui<strong>na</strong>s” e que são motivo de dó para o eulírico<br />
que as consideram “coitadas”; é comparada a elas pelo<br />
aban<strong>do</strong>no, sujeira, desleixo e por parar <strong>na</strong> sarjeta. O trágico<br />
desfecho em que foi levada pelo homem <strong>do</strong> lixo “coberta de<br />
lama, nuinha, / como quis Nosso Senhor”, sugere ser este um<br />
destino <strong>do</strong> qual não consegue fugir. O tom de conformismo que<br />
parece saltar <strong>do</strong> poema pode ser visto como uma crítica social<br />
ao olhar atento <strong>do</strong> poeta que alude à infância roubada. Ademais,<br />
a crença comum entre os mais humildes de que as coisas<br />
acontecem pela permissão de Deus, imobilizaram no poema as<br />
ações da boneca e das meni<strong>na</strong>s infelizes, que aban<strong>do</strong><strong>na</strong>das à<br />
própria sorte foram vítimas <strong>do</strong>s humanos e da sociedade como<br />
um to<strong>do</strong>.<br />
Sobre o poema “Boneca de pano” destacou Claufe<br />
Rodrigues (2004, p. 10) ao prefaciar a obra “Poemas” de Jorge<br />
de Lima em edição publicada pela Editora Record:<br />
[...] outra evocação de sua infância, revela um traço<br />
marcante da poesia de Jorge de Lima: a sensibilidade<br />
primitiva de um homem que sabe reverter à alma<br />
LEITURA: TEORIA & PRÁTICA (SUPLEMENTO), n.58, jun.2012<br />
de criança sem contu<strong>do</strong> cair <strong>na</strong>s armadilhas da<br />
ingenuidade. Quanta ternura em versos tão simples! E<br />
quanto carinho pelos despossuí<strong>do</strong>s: “Boneca de pano<br />
das meni<strong>na</strong>s infelizes que / são guias de aleija<strong>do</strong>s,<br />
que apanham pontas / de cigarro, que mendigam <strong>na</strong>s<br />
esqui<strong>na</strong>s, coitadas!”.<br />
O poema apresenta rimas exter<strong>na</strong>s e inter<strong>na</strong>s com aliterações<br />
marcadas pelo “nh” e o sufi xo “inha” (sujinha, ceguinha,<br />
nuinha) como indicativo da pequenez da boneca humanizada<br />
via comparação com as meni<strong>na</strong>s, cujos destinos se equivalem:<br />
seres diminutos e motivo de compaixão <strong>do</strong> eu-lírico (coitadas!).<br />
3.4. “Meninice” e “Domingo”: evocação da infância e<br />
sau<strong>do</strong>sismo<br />
O retrato de familiares; a mobília; a postura <strong>do</strong>s pais; a<br />
surpresa extasiante vivida junto à irmã, a saber: a chegada de<br />
“O Grande Circo Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Vigo” com suas atrações:<br />
- O palhaço Serafi m...<br />
- O anão que engolia espada...<br />
- O cachorro que sabia números...<br />
- O homem que sabia mágicas...<br />
- O cavalo ensi<strong>na</strong><strong>do</strong>...<br />
- O burrico que mordia o palhaço...<br />
- O palhaço que levava tombos...<br />
A charanga <strong>do</strong> circo!<br />
Que beleza a charanga!<br />
(LIMA, 2004, p. 43)<br />
Para Cruz (1997, p. 32) quase toda poética de Jorge<br />
de Lima origi<strong>na</strong>-se de sua meninice. Ao destacar marcas<br />
que evidenciam tal observação afi rma: “O grande Circo<br />
Místico” é o mesmo “Circo Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Vigo” <strong>do</strong> poema<br />
“Meninice”.<br />
Com relação às visões/versões de infância, ao dialogar<br />
com a irmã no já cita<strong>do</strong> poema; o eu-lírico apresenta-nos<br />
a infância da irmã: caracterizada como inocente, mas que<br />
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