Saulo Esllen Martins CIDADANIA | <strong>por</strong> Saulo Esllen Martins Cantando a própria história Grupo Meninas de Sinhá ajuda mulheres a resgatar a autoestima através da música
Sem compromissos e horários para cumprir e com muito tempo para se fazer o que der na “telha”, muitos dizem que a velhice pode ser a melhor fase da vida. Acontece que, na prática, em muitos casos, a tal “terceira idade” vem acompanhada <strong>por</strong> tédio, angústia, depressão, poucos rendimentos financeiros e muita solidão. Abandonados ou sobrecarregados p<strong>elas</strong> famílias, os idosos lutam para sobreviver com dignidade. Sem forças próprias para reagir às doenças psíquicas, muitos vivem a mercê de antidepressivos e ansiolíticos. Os remédios tornam-se os principais companheiros. E as mulheres representam uma parcela significativa dessa população. Um trabalho sociocultural desenvolvido há 25 anos no bairro Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, conseguiu diminuir as filas dos consultórios e postos de saúde da região. O grupo Meninas de Sinhá, criado em 1989 <strong>por</strong> Valdete da Silva Cordeiro, já atingiu centenas de mulheres com mais de 50 anos, dando a <strong>elas</strong> novas perspectivas e motivos para viver. Dona Valdete morreu em janeiro deste ano, aos 75 anos. Fundadora e líder do grupo, deixou um legado de alegria e superação. Ela dizia que precisava fazer algo, se mover de alguma forma, ajudar as vizinhas que viviam com problemas de saúde. “Isso me incomodava demais! No fundo eu sabia que <strong>elas</strong> não precisavam de tantos remédios, e os problemas que tinham com filhos e maridos eram comuns a todas. Então pensei: talvez possamos nos ajudar”, contou Valdete em entrevista ao Jornal O Tempo. E foi assim que começou a saga das Meninas de Sinhá. Valdete convidava as mulheres para conversas em grupo. Em pouco tempo a notícia se espalhou. “Chegamos a ter 50 mulheres. Contávamos a nossa vida e nossos problemas, fazíamos artesanato e algumas até vendiam. Mas como eu não gostava de ficar parada, pensei em acrescentar às reuniões algo de movimento pro corpo. Foi daí que reunimos a música e a dança!”, explicou. Hoje, são 28 mulheres no grupo. Rosária Madalena Andrade foi escolhida entre as Meninas para ser a nova presidente. Integrante desde o início, ela relembra com saudade como tudo começou. “Valdete nos chamou para fazer artesanato, exercícios, brincadeiras, cantorias, essas coisas, para ocupar o tempo e nos distrair. Hoje, as brincadeiras de roda se tornaram uma marca registrada”. Sobre a missão de liderar as Meninas de Sinhá, Rosária destaca a política de igualdade que impera entre <strong>elas</strong>. “Tivemos uma votação, de início eu disse que não queria ser nada além do que já era, ou seja, parte de um grupo. É muita responsabilidade, nunca vou chegar nem perto do que a Valdete foi. Ela era uma mulher muito guerreira e sábia, apesar de não ter estudo. Na minha simplicidade, eu quero continuar esse trabalho que mexe com o psicológico dessas mulheres. Vou procurar fazer tudo que estiver ao meu alcance. “ Meninas de Sinhá é um comovente passeio pelo parque temático das emoções. Valdete construiu uma história maravilhosa que precisa continuar <strong>por</strong> causa dessas mulheres e de outras que podem vir a fazer parte. Com força de vontade e coragem, nós vamos continuar nesse caminho”, comenta, emocionada. Para o jornalista e produtor cultural Israel do Vale, Dona Valdete foi um exemplo de liderança. “Uma mulher incrível, de sabedoria extrema, generosa, engajada, capaz de despertar as pessoas para o que <strong>elas</strong> têm de melhor, que construiu em torno das Meninas de Sinhá o impulso de nos reunirmos em roda e celebrarmos o precioso momento do encontro, que se constrói e só existe coletivamente”. “Ouvir Meninas de Sinhá é experimentar um mergulho pra dentro de nós. Uma imersão no imaginário coletivo, que recompõe os caminhos da nossa identidade: dos sentimentos mais remotos, de uma infância apagada na memória. Meninas de Sinhá é um comovente passeio pelo parque temático das emoções”, declara Israel. “Tenho um filho especial e ficava sempre com ele na varanda de casa, cantarolando. Dona Valdete passava sempre <strong>por</strong> lá e gritava: ‘Mariinha, você precisa sair de casa, entre para o nosso grupo’. Comecei apenas para fazer ginástica. Mas Dona Valdete foi logo me passando a roupa e eu me senti muito im<strong>por</strong>tante”. Maria Gonçalves Santos está no grupo dede 2001. Ela conta que já era amiga de Dona Valdete, mas depois de conviver com ela no grupo a proximidade aumentou muito. “Ela me ensinou muita coisa, foi uma incentivadora. Mexeu com a minha autoestima. Era uma pessoa que queria sempre o melhor para os outros. Aprendi a tocar zabumba, cantar, conheci cantores famosos e cantei com eles. Me senti muito realizada. Somos mulheres da periferia, em geral negras, detalhes podem fazer grandes mudanças em nossas vidas”, esclarece Mariinha. <strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 19