VIOLÊNCIA | <strong>por</strong> Nanci Alves Machismo: doença cultural que precisa ser curada A prevenção da violência passa pela compreensão sobre as causas estruturais da dominação de gênero
Mudar a cultura machista do Brasil é o maior desafio para se combater a violência. É o que afirma a pesquisadora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Nepem (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher), Marlise Matos. Segundo ela, é im<strong>por</strong>tante ter em mente as causas estruturais da violência para um trabalho eficaz de prevenção. “Sem essa postura, vamos continuar com a sensação de enxugar gelo, pois a violência cresce a cada dia”. Na avaliação da pesquisadora, o Brasil está sempre nos primeiros lugares do ranking de qualquer indicador de violência (crimes com arma de fogo, no trânsito, violência contra mulheres, etc) <strong>por</strong>que traz em sua história muita violação de direitos e sua institucionalização. “O quadro perverso de desigualdade social é antigo, <strong>por</strong>que a exploração econômica vem desde a colonização, também violenta. Na nossa história, foram muitos anos de forças autoritárias no poder e poucos e recentes anos de forças democráticas. Só hoje, podemos falar publicamente, <strong>por</strong> exemplo, que o Estado erra, que a Justiça é falha”, afirma. De acordo com Marlise Matos, tudo isso reflete na questão de gênero, pois a hegemonia sempre esteve com uma pequena elite, composta <strong>por</strong> homens. “As conquistas femininas são todas recentes: o direito a estudar, trabalhar fora de casa, votar, ser militar, ser candidata a algum cargo político, etc. Pela primeira vez elegemos uma mulher para presidente do país. E ainda são poucas as mulheres na vida política. Na Câmara dos Deputados, 98% são homens e, em geral, brancos, escolarizados, profissionais liberais, latifundiários. O eixo de dominação está nessa forma de representação. Manter isso é ter as mulheres sob o domínio dos homens”, afirma Marlise Matos. Portanto, a dominação de gênero tem causas estruturais. “Hoje 60% das que se formam no ensino superior são mulheres. Saíram da vida privada, a casa, e foram para o mundo público, que historicamente é masculino, ocupando, aos poucos, as escolas, o mercado de trabalho, as várias instâncias de poder. Dessa forma, a mulher desequilibrou o núcleo estrutural que organizou a sociedade. Ela foi contra o que era natural, foi para o público, mas o inverso não aconteceu. O homem não foi para o espaço privado. Em geral, não aceita fazer as atividades para o funcionamento da casa, gerando um mal estar que tem sido recoberto com mais violência. E, assim, quando a mulher sai do privado novamente, tornando pública a expressão da violência que vive, rompe a última das fronteiras. Em geral, é aí que o companheiro a mata”, ressalta. Mas o fato de que a mulher se escolarizou e que tem ocupado o mercado de trabalho não significa que tomou total consciência do lugar de subordinação. O modelo de poder é masculino, patriarcal. “Muitas vezes, a mulher, no lugar de poder, repete o que aprendeu, isso está arraigado. Ela até acredita, pois a sociedade a faz pensar assim, que precisa ser igual ao homem para não ser atropelada”, acrescenta a pesquisadora. “ A violência se instala quando a mulher não fala o primeiro ‘não’ A postura machista da mulher, que faz com que se sinta responsável e culpada <strong>por</strong> tudo, é mais visível quando é vítima da violência. Nessa hora, ela tem dificuldade, inclusive, em denunciar o homem que a agrediu. De acordo com a médica coordenadora do Programa de Saúde da Mulher da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ana Flávia D’Oliveira, ao participar do Fórum Fale Sem Medo (ocorrido em novembro de 2013, em São Paulo), a mulher, muitas vezes, não denuncia seu companheiro não só p<strong>elas</strong> suas ameaças, mas “<strong>por</strong>que tem vergonha do que o outro vai pensar sobre ela; ou até mesmo <strong>por</strong>que acredita que seu marido a está educando ou que tem este direito, já que culturalmente o homem é quem sabe, quem faz. Essa mulher sofre, ainda mais, com a cobrança de todos”. Para a médica, é preciso desestigmatizar esse problema e mostrar como ele é comum, em todas as classes sociais. “E, acima de tudo, reforçar que vergonha é bater, é cometer violência. Isso, com certeza, ajudaria a diminuir o sentimento ‘de vergonha’ vivido <strong>por</strong> essas mulheres. A sociedade as culpa tanto que a cultura é a seguinte: se é estuprada, morre de vergonha, e muitas vezes, sofre em silêncio. Mas se é sequestro relâmpago, não existe vergonha, a denúncia é feita na hora. Precisamos, urgente, mudar a percepção com relação à violência de gênero”, afirma Ana Flávia. Sociedade perversa No processo de desconstrução de ideias e com<strong>por</strong>tamentos que reforçam a violência, é preciso eliminar também a imagem de que a violência aparece de uma hora para outra. Para a coordenadora do Nepem, Marlise Matos, ninguém começa dando um tiro. “Com todo esse viés cultural, a violência se instala quando a mulher não fala o primeiro ‘não’, diante de pequenos atos como ciúme. A <strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 53