DIVERSIDADE | <strong>por</strong> Denilson Cajazeiro Uma lei contra a violência homofóbica Lésbicas cobram do poder público ações pedagógicas e legislação que criminalize a homofobia 78
Núbia Campos já perdeu a conta de quantas vezes sofreu discriminação pelo fato de se relacionar com mulheres. A advogada, de 27 anos, já foi afastada de crianças, <strong>por</strong> não ser considerada um bom exemplo, perdeu amigos de infância e volta e meia tem de conviver, em locais públicos, com olhares e comentários preconceituosos ou agressões verbais, pelo simples fato de demonstrar afeto à companheira. “Por vezes, ouvi que não deveria comentar tão abertamente sobre meu relacionamento, colocar fotos em redes sociais e tratar com normalidade, bem como não deveríamos ter expressão afetiva nenhuma em público”, relata a advogada, que teme sair em São Paulo, onde vive, acompanhada da namorada. “Infelizmente, em todos os lugares, dependendo da hora, temos medo. Há grupos fascistas organizados que ainda hoje matam homossexuais e transexuais, espancando-os. Isso causa-nos medo sim, e nas nossas famílias, mas nada podemos fazer a não ser lutar, vamos resistir, não vamos nos curvar”, afirma Núbia, que acabou de concluir o mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com pesquisa sobre o movimento de lésbicas no Brasil. Segundo as lésbicas, a violência homofóbica, física ou psicológica, de fato é hoje o que mais as preocupa. As estatísticas oficiais mostram o <strong>por</strong>quê. De acordo com o mais recente relatório a respeito do assunto, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, foram registradas quase 10 mil violações em 2012 relacionadas à população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), e as denúncias mais comuns foram, na ordem, violência psicológica, como humilhações, hostilizações e ameaças, discriminação e violência física. Os números referem-se apenas às denúncias feitas ao poder público, e a própria Secretaria reconhece, no relatório, que os casos são bem mais numerosos. “Há uma violência que fica invisível, como no caso do estupro corretivo, <strong>por</strong>que entra no índice de violência contra a mulher. Até mesmo no boletim de ocorrência não se especifica que [o crime] ocorreu <strong>por</strong>que a mulher é lésbica. Somos duplamente discriminadas, <strong>por</strong> ser mulher e <strong>por</strong> ser lésbica. Quando somos negras, aí há uma tripla discriminação”, comenta Soraya Menezes, diretora da Associação Lésbica de Minas e membro da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (ABGLT). Na raiz de tanta violência, avalia Menezes, está um problema de ordem cultural. “Vivemos num país machista, falocrático, em que a mulher ainda é vista como propriedade. Quando ela decide dizer que não quer este modelo que está aí, quer outra mulher, ela foge do padrão da sociedade. Temos de derrubar séculos e séculos de uma cultura machista. No mundo todo, a homossexualidade foi vista como pecado, ou doença ou crime. Aos poucos, vamos quebrando tabus”, opina a diretora, para quem o quadro atual só será alterado com “ações pedagógicas”. “A legislação é im<strong>por</strong>tante para estabelecer parâmetros de punição. “...as pessoas não nascem preconceituosas, <strong>elas</strong> foram educadas para isso”. Mas o que vai mudar mesmo esta cultura são ações pedagógicas contra a homofobia, o preconceito, dentro da escola e de casa. Porque as pessoas não nascem preconceituosas, <strong>elas</strong> foram educadas para isso”. “Cura gay” No ano passado, o assunto ganhou projeção na mídia, principalmente depois que o então presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o pastor Marco Feliciano, tentou emplacar o polêmico projeto de lei batizado de “cura gay”, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO). Na prática, a proposta previa suspender trecho de resolução do Conselho Federal de Psicologia, de 1999, que proibiu profissionais da área de colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Outro trecho que o projeto queria suprimir determina que “os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como <strong>por</strong>tadores de qualquer desordem psíquica”. Graças à reação do movimento gay, da repercussão negativa que o caso ganhou na sociedade e de muitos protestos país afora, a proposta não foi além da Comissão de Direitos Humanos. Em julho, o autor da iniciativa desistiu de levá-la ao plenário e, com isso, a Câmara arquivou o projeto, visto <strong>por</strong> muitos como uma proposta que estimula ainda mais a homofobia. “Não faz sentido pensar a homossexualidade como doença. O psicólogo não deve contribuir para fomentar o preconceito e a discriminação. Precisamos respeitar a diferença e trabalhar a inclusão e o bemestar social”, afirma Jacqueline Moreira, conselheira do Conselho Federal de Psicologia. <strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 79