Internet HISTÓRIA | <strong>por</strong> Saulo Esllen Martins Simplesmente Pagu Irreverência e ousadia marcaram a trajetória da escritora Patrícia Galvão Escritora, jornalista, produtora cultural e militante política, Patrícia Rehder Galvão, mais conhecida como Pagu, já recebeu muitas definições. Todas <strong>elas</strong> ressaltam uma personalidade questionadora e um espírito inquieto demais para o seu tempo. De acordo com seu biógrafo, Augusto de Campos, o apelido Pagu foi dado pelo poeta Raul Bopp, 88
quando Patrícia lhe mostrou alguns poemas. Bopp sugeriu que ela adotasse um nome literário feito com as primeiras sílabas de seu nome e sobrenome: Pagu. Foi um engano de Bopp, pensando que a moça se chamasse Patrícia Goulart. Mas ele escreveu um poema para ela, “O côco de Pagu”, e o apelido ficou. Natural de São João da Boa Vista/SP, nasceu em 9 de junho de 1910, mudou-se para a capital em 1912. Morou na Liberdade, no Brás, na Aclimação, na Bela Vista e em uma chácara no então município de Santo Amaro. Depois de breves períodos no Rio de Janeiro e em Paris, para fugir da repressão, encontrou sossego em Santos, onde morreu em decorrência de um câncer, em 12 de dezembro de 1962. Por conta da doença e após sair da prisão, Patrícia tenta suicídio, que não se consuma. Sobre o episódio, ela escreveu no panfleto “Verdade e Liberdade”: “Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas”. Diferente das moças de sua época, Pagu usava blusas transparentes, fumava na rua e dizia palavrões. Com 15 anos, passa a colaborar no Brás Jornal, com um pseudônimo. Apresentada aos artistas Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, entre os 18 e 19 anos, se integra ao movimento antropofágico, de cunho modernista. Após dois anos, casa-se com Oswald e tem seu primeiro filho, Rudá de Andrade. Três meses após o parto, Pagu viaja para Buenos Aires, na Argentina, para participar de um festival de poesia. Conhece, então, Luís Carlos Prestes, e se entusiasma com os ideais marxistas. Na volta, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), junto com Oswald. Foi o início de um período de intensa militância política. Em março de 1931, o casal funda o jornal O Homem do Povo, que apoia “a esquerda revolucionária em prol da realização das reformas necessárias”. Em seus artigos, Pagu critica as “feministas de elite” e os valores das mulheres paulistas das classes dominantes. Jovem, bonita e burguesa, Patricía Galvão não necessitava lutar pelos direitos de sua classe, a mais favorecida, então resolve fazer o que acreditava. Aos 20 anos agita o bairro do Cambuci em protesto contra o governo provisório. Comanda uma greve de estivadores em Santos, e é presa pela primeira vez, das vinte e três que ainda iriam ocorrer, tornando-se a primeira prisioneira política no país. Em 1933 publica o romance Parque Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro. Nesse mesmo ano parte para uma viagem pelo mundo, deixando no Brasil o marido e o filho. Em 1935 filia-se ao Partido Comunista da França, onde também fez cursos na Sorbonne, em Paris, e lá é presa como comunista estrangeira, com identidade falsa. Seria de<strong>por</strong>tada para a Alemanha nazista, contudo o embaixador brasileiro Souza Dantas consegue mandá-la de volta ao Brasil. Separa-se definitivamente de Oswald e então retoma a atividade jornalística, mas o passado não a deixa retornar tranquilamente, e é novamente presa e torturada. Desliga-se do PCB em 1940, assim que sai da prisão. Adere ao trotskismo e incor<strong>por</strong>a-se à redação do jornal A Vanguarda Socialista. Em 1945 Patrícia casa-se com Geraldo Ferraz, jornalista da A Tribuna de Santos, cidade onde passam a viver. Inicia em 1946 sua colaboração regular no Suplemento Literário do Diário de S. Paulo. Tenta sem sucesso uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950. Em 1952 frequenta a Escola de Arte Dramática de São Paulo, levando seus espetáculos a Santos. É conhecida como grande animadora cultural e dedica-se em especial ao teatro, particularmente no incentivo a grupos amadores. Escreve também contos policiais, sob o pseudônimo de King Shelter, publicados originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, e depois reunidos em Safra Macabra (Livraria José Olympio Editora, 1998). Em 2004 a catadora de papel Selma Morgana Sarti, em Santos, encontra no lixo uma grande quantidade de fotos e documentos da escritora e do jornalista Geraldo Ferraz, seu último companheiro. Esse acervo hoje faz parte do arquivo da Unicamp. Correspondente de vários jornais, Pagu visita os Estados Unidos, o Japão e a China. Entrevista Sigmund Freud e assiste à coroação de Pu-Yi, o último imperador chinês. Foi <strong>por</strong> intermédio dele que Pagu consegue sementes de soja, enviadas ao Brasil e introduzidas na economia agrícola brasileira. Hoje, Patrícia Galvão é lembrada pelo Instituto e pela Agência que levam seu nome. Essas iniciativas contribuem de forma relevante para a qualificação da cobertura jornalística sobre questões críticas para as mulheres brasileiras, produzindo notícias e conteúdos multimídia, a fim de influenciar o debate público, demandar respostas do Estado, promover mudanças na sociedade e na própria mídia.ø Na véspera de sua morte, um último texto seu é publicado, o poema “Nothing”. “Nada mais do que nada Porque vocês querem que exista apenas o nada Pois existe o só nada” Trecho do poema “Nothing” de Pagu/Patricia Rehder Galvão. (Publicado n’A Tribuna, Santos/SP, em 23/09/1962). <strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 89