Revista Elas por elas 2014
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
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Núbia Campos já perdeu a conta<br />
de quantas vezes sofreu discriminação<br />
pelo fato de se relacionar com mulheres.<br />
A advogada, de 27 anos, já foi afastada<br />
de crianças, <strong>por</strong> não ser considerada<br />
um bom exemplo, perdeu amigos de<br />
infância e volta e meia tem de conviver,<br />
em locais públicos, com olhares e comentários<br />
preconceituosos ou agressões<br />
verbais, pelo simples fato de demonstrar<br />
afeto à companheira.<br />
“Por vezes, ouvi que não deveria comentar<br />
tão abertamente sobre meu relacionamento,<br />
colocar fotos em redes<br />
sociais e tratar com normalidade, bem<br />
como não deveríamos ter expressão<br />
afetiva nenhuma em público”, relata a<br />
advogada, que teme sair em São Paulo,<br />
onde vive, acompanhada da namorada.<br />
“Infelizmente, em todos os lugares, dependendo<br />
da hora, temos medo. Há<br />
grupos fascistas organizados que ainda<br />
hoje matam homossexuais e transexuais,<br />
espancando-os. Isso causa-nos medo<br />
sim, e nas nossas famílias, mas nada<br />
podemos fazer a não ser lutar, vamos<br />
resistir, não vamos nos curvar”, afirma<br />
Núbia, que acabou de concluir o mestrado<br />
em Políticas Públicas e Formação Humana<br />
pela Universidade Estadual do Rio<br />
de Janeiro (UERJ), com pesquisa sobre<br />
o movimento de lésbicas no Brasil.<br />
Segundo as lésbicas, a violência homofóbica,<br />
física ou psicológica, de fato<br />
é hoje o que mais as preocupa. As estatísticas<br />
oficiais mostram o <strong>por</strong>quê.<br />
De acordo com o mais recente relatório<br />
a respeito do assunto, da Secretaria de<br />
Direitos Humanos da Presidência da<br />
República, foram registradas quase 10<br />
mil violações em 2012 relacionadas à<br />
população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais,<br />
Travestis, Transexuais e Transgêneros),<br />
e as denúncias mais comuns<br />
foram, na ordem, violência psicológica,<br />
como humilhações, hostilizações e<br />
ameaças, discriminação e violência<br />
física. Os números referem-se apenas<br />
às denúncias feitas ao poder público, e<br />
a própria Secretaria reconhece, no relatório,<br />
que os casos são bem mais numerosos.<br />
“Há uma violência que fica invisível,<br />
como no caso do estupro corretivo,<br />
<strong>por</strong>que entra no índice de violência<br />
contra a mulher. Até mesmo no boletim<br />
de ocorrência não se especifica que [o<br />
crime] ocorreu <strong>por</strong>que a mulher é lésbica.<br />
Somos duplamente discriminadas,<br />
<strong>por</strong> ser mulher e <strong>por</strong> ser lésbica. Quando<br />
somos negras, aí há uma tripla discriminação”,<br />
comenta Soraya Menezes,<br />
diretora da Associação Lésbica de Minas<br />
e membro da Associação Brasileira de<br />
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,<br />
Transexuais e Transgêneros (ABGLT).<br />
Na raiz de tanta violência, avalia Menezes,<br />
está um problema de ordem cultural.<br />
“Vivemos num país machista, falocrático,<br />
em que a mulher ainda é vista<br />
como propriedade. Quando ela decide<br />
dizer que não quer este modelo que<br />
está aí, quer outra mulher, ela foge do<br />
padrão da sociedade. Temos de derrubar<br />
séculos e séculos de uma cultura machista.<br />
No mundo todo, a homossexualidade<br />
foi vista como pecado, ou doença ou<br />
crime. Aos poucos, vamos quebrando<br />
tabus”, opina a diretora, para quem o<br />
quadro atual só será alterado com “ações<br />
pedagógicas”. “A legislação é im<strong>por</strong>tante<br />
para estabelecer parâmetros de punição.<br />
“...as pessoas<br />
não nascem<br />
preconceituosas,<br />
<strong>elas</strong> foram<br />
educadas<br />
para isso”.<br />
Mas o que vai mudar mesmo esta cultura<br />
são ações pedagógicas contra a homofobia,<br />
o preconceito, dentro da escola e<br />
de casa. Porque as pessoas não nascem<br />
preconceituosas, <strong>elas</strong> foram educadas<br />
para isso”.<br />
“Cura gay”<br />
No ano passado, o assunto ganhou<br />
projeção na mídia, principalmente depois<br />
que o então presidente da Comissão<br />
de Direitos Humanos e Minorias da<br />
Câmara dos Deputados, o pastor Marco<br />
Feliciano, tentou emplacar o polêmico<br />
projeto de lei batizado de “cura gay”,<br />
de autoria do deputado João Campos<br />
(PSDB-GO). Na prática, a proposta<br />
previa suspender trecho de resolução<br />
do Conselho Federal de Psicologia, de<br />
1999, que proibiu profissionais da área<br />
de colaborar com eventos e serviços<br />
que proponham tratamento e cura das<br />
homossexualidades. Outro trecho que<br />
o projeto queria suprimir determina<br />
que “os psicólogos não se pronunciarão,<br />
nem participarão de pronunciamentos<br />
públicos, nos meios de comunicação<br />
de massa, de modo a reforçar os preconceitos<br />
sociais existentes em relação<br />
aos homossexuais como <strong>por</strong>tadores de<br />
qualquer desordem psíquica”.<br />
Graças à reação do movimento gay,<br />
da repercussão negativa que o caso ganhou<br />
na sociedade e de muitos protestos<br />
país afora, a proposta não foi além da<br />
Comissão de Direitos Humanos. Em<br />
julho, o autor da iniciativa desistiu de<br />
levá-la ao plenário e, com isso, a<br />
Câmara arquivou o projeto, visto <strong>por</strong><br />
muitos como uma proposta que estimula<br />
ainda mais a homofobia. “Não faz sentido<br />
pensar a homossexualidade como<br />
doença. O psicólogo não deve contribuir<br />
para fomentar o preconceito e a discriminação.<br />
Precisamos respeitar a diferença<br />
e trabalhar a inclusão e o bemestar<br />
social”, afirma Jacqueline Moreira,<br />
conselheira do Conselho Federal de<br />
Psicologia.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 79