Marcello Casal Jr/ABr ARTIGO | <strong>por</strong> Renata Rosa 1 Rumo à emancipação É preciso romper com todas as formas de subordinação, inclusive com a sub-representação política
Este ensaio tem como objetivo apresentar algumas reflexões acerca das assimetrias de gênero que ainda estruturam as relações sociais em nosso cotidiano e a situação das mulheres em relação aos espaços de poder e sua representação política. Um breve debate sobre ‘Democracia de Gênero’ cumprirá o papel de fio condutor, articulado a um novo paradigma em curso na América Latina para as relações de poder entre homens e mulheres, em consonância com a discussão apresentada <strong>por</strong> Gomáriz (2000). Um conjunto destacado de investigações acadêmicas demonstra que, na América Latina, os movimentos feministas, a partir da segunda metade do século XX, se apresentaram como um dos fenômenos subversivos mais significativos experimentados na região, <strong>por</strong> seu profundo questionamento aos pensamentos hegemônicos sobre as relações humanas e os contextos sociopolíticos, econômicos, culturais e sexuais. No Brasil, as mulheres, a partir de suas lutas e diferentes formas de organização, alcançaram visibilidade social, que se traduziu em im<strong>por</strong>tantes políticas públicas. Reconhecimento e redistribuição são eixos indispensáveis para todo e qualquer projeto emancipacionista. De qualquer modo, para que o avanço se dê de fato é preciso romper a fronteira da sub-representação política. Com uma população aproximada de 193 milhões de habitantes, nosso país possui um destacado contingente de mulheres, mais da metade de sua população, cujos níveis educacionais estão se elevando e ultrapassam o dos homens, nas diferentes camadas sociais. As mulheres, ainda que lentamente, vêm ocupando carreiras mais prestigiadas e assumem im<strong>por</strong>tantes postos de decisão. De qualquer modo, a dissonância salarial é ainda uma realidade corriqueira no cotidiano profissional das mulheres em relação aos homens. Ainda mais grave é o fato de que as mulheres são a maioria nos setores econômicos informais e mais vulneráveis, além de ocuparem a quase totalidade dos serviços domésticos e relacionados à economia do cuidado: as mulheres são, preferencialmente, as que cuidam na esfera privada e também no mercado de trabalho: enfermeiras, professoras, psicólogas, assistentes sociais, diaristas, cozinheiras, entre tantas outras profissões ‘naturalizadas’ como tarefas preferenciais de mulheres. A construção social e cultural dos papéis tradicionais de mulheres e homens estão ainda tão entranhados que a implementação de leis que desafiam a subordinação “naturalizada” das mulheres tornou-se um desafio crítico no país. Inferimos que o processo de superação da subordinação pressupõe a desconstrução dos estereótipos acerca do papel das mulheres na sociedade, mais especificamente com relação aos cuidados e responsabilidades juntos aos seus núcleos familiares, cuja responsabilidade cabe ao Estado e à sociedade como um todo. Essa perspectiva pressupõe a ressignificação da concepção do sujeito feminino no processo de articulação da ação política governamental, nas práticas cotidianas e nas representações sociais estabelecidas. Tal ressignificação compreende uma revisão analítica do modelo de Estado brasileiro e suas premissas no processo de organização da ação política, ou seja, na forma como é prevista a implementação das políticas públicas voltadas para as famílias, minimizadas numa concepção de que as demandas familiares remetem ao universo feminino. Essas ações, na forma como se dão, naturalizam um lugar específico para as mulheres na sociedade, apesar de todos os avanços. Pressupõe também uma nova postura cultural de mulheres e homens. A realidade das mulheres brasileiras ainda está muito aquém do ideal normativo e do marco constitucional adotado pelo Estado brasileiro. Como demonstra Tavares (2010), “até mesmo quando as proteções e garantias legais se fazem presentes, os braços do Estado não são suficientemente longos para neutralizar as profundas tradições culturais, que continuam relegando as preocupações das mulheres à esfera privada”. A eleição de uma mulher para a Presidência da República em 2010 foi um marco histórico que elevou o Brasil para um seleto grupo de países de democracia representativa que tiveram ou têm uma mulher em sua presidência, levando-se em conta, ainda, o protagonismo feminino no contexto político latino-americano e a presença de mulheres no comando de destacadas nações. Apesar dessa nova conjuntura política no país, a participação de mulheres nos parlamentos nacional e estaduais não avançou. Os dados sobre a presença de mulheres no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas demonstram a persistência da sub-representação feminina em total contraposição à crescente elevação do nível educacional e presença no mundo do trabalho. É nesse contexto que apresentamos um novo debate, vinculado ao campo teórico feminista, sobre a proposta da Democracia de Gênero. A discussão parte do princípio de que é preciso definir um novo instrumento e um novo paradigma que convoque a sociedade como um todo para se transformar. Critica a visão de que a tomada de consciência precisa ser apenas feminina – não são as mulheres que precisam alcançar o patamar masculino; também os homens precisam rever sua condição, seu papel sociocultural. Assim, a proposta defendida pelos autores instaura um novo viés à luta feminista, defendendo a urgência de ampliação do grau de consciência masculino sobre a construção de sua identidade, para a articulação de <strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 23