Artistas invisíveis O pouco destaque para as mulheres nas artes plásticas reflete o impacto do machismo na sociedade ARTES | <strong>por</strong> Débora Junqueira
“As mulheres precisam estar nuas para entrar no Metropolitan Museum? Menos de 5% dos artistas nas seções de arte moderna são mulheres, mas 85% dos nus são femininos”, diz um cartaz, de 1989, assinado pelo Guerrilla Girls, grupo criado na década de 80, em Nova York, que reúne mulheres famosas <strong>por</strong> usarem máscaras de gorila em suas intervenções feministas e nomes de artistas falecidas como pseudônimos. A provocação do Guerrilla Girls é um símbolo do debate sobre a presença das mulheres nas artes plásticas, cuja falta de destaque para as artistas reflete o preconceito e o machismo da sociedade, como mostra a própria história do feminino na arte. “Em 2011, mais de duas décadas após o primeiro levantamento, o coletivo Guerrilla Girls decidiu realizar uma nova contagem das obras do Metropolitan Museum. Deparou-se com um dado surpreendente: diminuíram tanto o número de mulheres nas seções de arte moderna e contem<strong>por</strong>ânea (de 5% para 4%) quanto o número de nus femininos (de 85% para 76%)”, destaca a re<strong>por</strong>tagem da <strong>Revista</strong> Bravo, Mulheres ainda são minoria na arte? (maio/2013). Na pesquisa de doutorado da cientista social e professora da USP Ana Paula Cavalcanti Simioni, de 2008, ela localizou, no Brasil, uma cifra de mais de 212 artistas mulheres que participaram, entre 1844 e 1922, das exposições gerais (com a República, denominadas Salões Nacionais de B<strong>elas</strong> Artes), praticamente todas <strong>elas</strong> ainda hoje desconhecidas. Na sua tese Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas, a professora destaca e analisa duas causas de obliteração da trajetória das artistas brasileiras. Primeiramente, o acesso desigual à formação artística e, em segundo lugar, o papel desempenhado pelos críticos de arte. “A questão da formação está atrelada à da crítica. Ela foi significativa para excluir as mulheres do grande gênero da pintura histórica, que era considerado o mais elevado pelo sistema acadêmico”, afirma (leia a entrevista na página 71). A sua constatação é de que, historicamente, o trabalho feminino foi muito sub-representado no campo artístico, ainda que existam exceções e que as mulheres artistas existiram, mas não estão expostas <strong>por</strong>que não foram reconhecidas. Desigualdade de gênero na arte Em Paris, o Centro George Pompidou possui uma coleção de obras feitas <strong>por</strong> mulheres. A exposição Elles: mulheres artistas esteve no Brasil em 2013, com 20 trabalhos de 65 artistas que representam mais de 100 anos de arte feminina, de 1907 a 2010. A professora Samantha Simões Braga, graduada em publicidade, mestre em Literaturas de Língua “ As mulheres artistas não estão expostas <strong>por</strong>que não foram reconhecidas Portuguesa e doutoranda em Literatura Comparada, levou suas turmas de alunos da PUC Minas para ver a exposição. Na sua avaliação, a exposição Elles foi claustrofóbica e pesada, mas im<strong>por</strong>tante para a reflexão sobre o espaço das mulheres nos museus, que antes eram vistas somente como musas e não eram reconhecidas como verdadeiras artistas. “Alguns alunos relataram mal estar com a exposição. As obras tocam em pontos polêmicos como o lugar de submissão em que as mulheres foram colocadas na arte e na sociedade. Apesar de tudo, a mulher hoje ainda está em um lugar periférico. A mulher artista passa <strong>por</strong> mais dificuldades do que os homens, pois em tudo ela precisa provar sua capacidade. Há muito machismo e preconceito. Os debates sobre o feminismo estagnaram como se a desigualdade de gênero já estivesse resolvida, mas a gente vê que não está”, opina Samantha. Impactos de uma história de preconceitos Quando se questiona o fato de não existirem artistas do sexo femini - no equiparadas a Leonardo da Vinci e Michelangelo, é preciso resgatar um pouco da construção da história das mulheres na arte. Para se ter uma ideia, em 1582, uma pintora espanhola foi proibida pelo pai de tornar-se retratista oficial do reino. O fato de a obra ser pintada <strong>por</strong> uma mulher desvalorizava a obra, <strong>por</strong>tanto muitas passavam a autoria para os homens. Como cita a re<strong>por</strong>tagem da <strong>Revista</strong> Bravo, em 1922, <strong>por</strong> exemplo, o Metropolitan Museum, em Nova York, adquiriu a tela Charlotte du Val d’Ognes acreditando tratar-se de <strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 69